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sexta-feira, dezembro 31, 2004

depois de algum tempo... aprendemos

"Depois de algum tempo aprendes a diferença, a subtil diferença entre dar a mão e acorrentar uma alma. E aprendes que amar não significa apoiar-se, e que companhia nem sempre significa segurança. E começas a aprender que beijos não são contratos e presentes não são promessas. Acabas por aceitar as derrotas com a cabeça erguida e olhos adiante, com a graça de um adulto e não com a tristeza de uma criança. E aprendes a construir todas as tuas estradas de hoje, porque o terreno do amanhã é incerto demais para os planos.

Depois de algum tempo aprendes que o sol queima se te expuseres a ele por muito tempo. Aprendes que não importa o quanto tu te importas, simplesmente porque algumas pessoas não se importam... E aceitas que apesar da bondade que reside numa pessoa, ela poderá ferir-te de vez em quando e precisas perdoá-la por isso. Aprendes que falar pode aliviar dores emocionais. Descobres que se leva anos para se construir a confiança e apenas segundos para destruí-la, e que poderás fazer coisas das quais te arrependerás para o resto da vida. Aprendes que verdadeiras amizades continuam a crescer mesmo a longas distâncias. E o que importa não é o que tens na vida, mas quem tens na vida.

Aprendes que não temos que mudar de amigos se compreendemos que os amigos mudam, percebes que o teu melhor amigo e tu podem fazer qualquer coisa, ou nada, e terem bons momentos juntos. Descobres que as pessoas com quem tu mais te importas são tiradas da tua vida muito depressa, por isso devemos sempre despedir-nos das pessoas que amamos com palavras amorosas, pode ser a última vez que as vejamos. Aprendes que as circunstâncias e os ambientes têm influência sobre nós, mas nós somos responsáveis por nós mesmos.

Começas a aprender que não te deves comparar com os outros, mas com o melhor que podes ser. Descobres que se leva muito tempo para se tornar a pessoa que se quer ser, e que o tempo é curto. Aprendes que, ou controlas os teus actos ou eles te controlarão e que ser flexível nem sempre significa ser fraco ou não ter personalidade, pois não importa quão delicada e frágil seja uma situação, existem sempre os dois lados. Aprendes que heróis são pessoas que fizeram o que era necessário fazer enfrentando as consequências. Aprendes que paciência requer muita prática.

Descobres que algumas vezes a pessoa que esperas que te empurre, quando cais, é uma das poucas que te ajuda a levantar. Aprendes que maturidade tem mais a ver com os tipos de experiência que tiveste e o que aprendeste com elas do que com quantos aniversários já comemoraste. Aprendes que há mais dos teus pais em ti do que supunhas. Aprendes que nunca se deve dizer a uma criança que sonhos são disparates, poucas coisas são tão humilhantes e seria uma tragédia se ela acreditasse nisso. Aprendes que quando estás com raiva tens o direito de estar com raiva, mas isso não te dá o direito de ser cruel.

Descobres que só porque alguém não te ama da forma que desejas, não significa que esse alguém não te ama com tudo o que pode, pois existem pessoas que nos amam, mas simplesmente não sabem como demonstrar ou viver isso. Aprendes que nem sempre é suficiente ser perdoado por alguém, algumas vezes tens que aprender a perdoar-te a ti mesmo. Aprendes que com a mesma severidade com que julgas, poderás ser em algum momento condenado. Aprendes que não importa em quantos pedaços o teu coração foi partido, o mundo não pára para que tu o consertes. Aprendes que o tempo não é algo que possa voltar para trás.


Portanto, planta o teu jardim e decora a tua alma, ao invés de esperares que alguém te traga flores. E aprendes que realmente podes suportar mais...que és realmente forte, e que podes ir muito mais longe depois de pensar que não se pode mais. E que realmente a vida tem valor e que tu tens valor diante da vida!”

William Shakespeare

sugerido por Yogini

terça-feira, dezembro 28, 2004

e assim se combate a solidão

O famoso velhote do Saldanha. É ele o homem que noite após noite acena aos carros que passam na Avenida Fontes Pereira de Melo, em Lisboa. É por ele que tocam as buzinas, que se atiram beijos e sorrisos, que se gritam «boas noites!» e «adeus!», numa «onda de comunicação» que já dura há três anos e que nem sequer ele sabe explicar muito bem como começou. Numa cidade de estranhos em mundos fechados, este é o seu «milagre». E é também o seu remédio. Há quem lhe chame o «senhor do adeus». Mas «senhor» é coisa que detesta que lhe chamem. Aos 72 anos, João Paulo Serra tem a inocência de uma criança, o espírito de um jovem, mas o olhar nostálgico de um ancião que sente «ter aprendido com a vida tarde de mais». A sua roupa clássica e a ondulação do cabelo grisalho disfarçada com gel, dão-lhe um ar meio aristocrático, que já faz parte da paisagem do Saldanha. Todos o conhecem e quem trabalha nas redondezas sabe o seu percurso de cor. «Chega por volta das onze, meia-noite... Começa pela zona do Monumental, vai descendo a rua até ao Marquês e depois sobe, parando sempre em pontos estratégicos. Nunca falha.» Arménio é chefe de mesa na marisqueira Maracanã e já lhe serviu alguns jantares. «É muito simpático. Quando passa aqui, acenamos-lhe pela janela. Só não sei: por que é que faz isto?»
João começa por dizer que não sabe bem, mas, a pouco e pouco, interrompendo sempre para acenar, vai desvendando o mistério. Tudo começou há três anos e meio, depois da morte da mãe, com quem vivia. Precisava de se distrair, incomodava-o a ideia de estar sozinho em casa. Um dia, aconteceu. Já reparara que as pessoas o cumprimentavam sem razão, nos centros comerciais e, sem saber como nem porquê, surgiu o primeiro aceno na estrada. Depois veio outro e outro, e o acaso virou fenómeno. «No início era só rapaziada nova, mas depois contagiei todo o tipo de gente», explica sem esconder um certo orgulho.

Graças ao seu «milagre», já deu entrevistas para a televisão e para os jornais, apareceu em dois filmes e até num teledisco. «Sempre quis ser actor, mas nunca me deixaram...». Ou nunca teve coragem de tentar. Algumas dezenas de acenos mais tarde, já não é um João risonho e despreocupado, «com imensos amigos» com quem vai «ao teatro e ao cinema», que fala por detrás dos óculos de massa negra. Nos olhos cinzentos, estão duas lágrimas contidas. Pelo passado, pelo presente e por um futuro que não chega.
Com um raciocínio de fazer inveja aos mais novos, o louco, o excêntrico, transforma-se lentamente num avô contador de histórias, que lê Agatha Christie para combater o medo ao andar de avião, que não tem telemóvel porque detesta máquinas e que não vê televisão.
João nasceu no seio de uma família muito rica. Até aos dez anos, viveu num enorme palacete da Tomás Ribeiro, cobiçado mesmo pelo próprio Gulbenkian. «Que saudades tenho desse tempo... A casa estava sempre cheia de família e amigos...». Mimado desde bebé, fez a instrução primária toda em casa, com um professor particular, pois no primeiro dia de aulas no Colégio Parisiense chorou tanto, que os pais não tiveram coragem de o mandar de volta. «Fui criado numa redoma de vidro», confessa, explicando: «Naquela época era tudo muito diferente, havia muitos tabus.» Depois do divórcio dos seus progenitores, quando tinha 13 anos, João foi morar para o Restelo com o pai. Por ele, inscreveu-se em Direito, mas depressa desistiu, «era muito chato». Depois de uma igualmente curta passagem pelo curso de Histórico - Filosóficas, o pai, «que não sabia o que fazer» com ele, mandou-o para Londres, com o irmão. «Foram três anos fantásticos. Tinha um grupo de amigos fabuloso, com quem viajei imenso. Teria lá ficado, se não fosse tão agarrado à família...» Sem quase pôr os pés nas aulas, regressou a Portugal e, depois da morte do pai, pouco tempo depois, foi morar com a mãe, de quem não se separou até ao último dia da sua vida. «Viajámos muito os dois. Todos os anos íamos a Paris e Madrid. Conheço a Europa inteira, excepto a Grécia...» E o olhar perde-se num momento só dele, como se pensasse alto.

Quando a mãe morreu, ficou «desasado». E talvez por isso esteja todas as noites a «comunicar». Admite que o que faz «não é muito normal», mas não passa sem isso. É o remédio que lhe permite disfarçar a solidão que o consome e o faz olhar para o passado com arrependimento, por não ter ousado viver a sua vida em vez da dos outros. «Às vezes penso que foi tudo inútil...»
No baú dos sonhos perdidos, jaz o curso que não tirou, o trabalho que nunca fez, os filhos que não teve e, pior, o grande amor que nunca conheceu. «Sinto-me só. Incompleto. Como se algo estivesse a falhar.» E assim lacrimeja quando vê um casal idoso de mãos dadas, ou quando dois rapazes, que diz «reconhecer do subconsciente», param o jipe para tirar uma fotografia com ele. «Encontramo-nos no céu», repete, aludindo ao que um diplomata ucraniano lhe disse uma vez. O homem do lixo atira-lhe o derradeiro aceno da noite.

sugerido por Carlão aka Pacman

quinta-feira, dezembro 23, 2004

o pão dos deuses




“No seu romance de ficção científica The Man in the High Castle, Philip K. Dick imaginou um mundo alternativo em que a Segunda Guerra Mundial foi vencida pelos japoneses e pelo Terceiro Reich. No mundo ficcional de Dick, as autoridades japonesas de ocupação introduziram e legalizaram a marijuana como uma das primeiras acções para pacificar a população da Califórnia. As coisas não são menos estranhas naquilo a que a inteligência comum se refere despreocupadamente como a “realidade”. Também em “este mundo” os vencedores introduziram uma droga omnipenetrante, ultra-poderosa e modeladora da sociedade. Foi esta a primeira de um grupo de drogas de alta tecnologia que colocam o utilizador numa realidade alternativa actuando directamente sobre os seus sentidos, sem a introdução de substâncias químicas no sistema nervoso. Era a televisão. Nenhuma epidemia, moda viciante ou histeria religiosa se propagou tão depressa ou converteu tanta gente em tão curto espaço de tempo.
A analogia mais próxima do poder viciante da televisão e da transformação de valores que ela trouxe à vida do utilizador contumaz é provavelmente a heroína. A heroína achata a imagem; com a heroína, as coisas não são quentes nem frias; o junkie olha o mundo certo de que, seja ele o que for, a sua importância é nula. A ilusão de conhecimento e de controle engendrados pela heroína é análoga à suposição inconsciente que o consumidor de televisão tem de que aquilo que ele está a ver é “real” algures no mundo. De facto, aquilo que se vê são as superfícies cosmeticamente melhoradas dos produtos. A televisão, ainda que quimicamente não invasora, é tão viciante e fisiologicamente prejudicial quanto qualquer outra droga:

De forma semelhante às drogas (…) a experiência televisiva permite ao participante apagar o mundo real e entrar num estado mental agradável e passivo. As preocupações e ansiedades da realidade são tão eficazmente afastadas ao absorvermo-nos num programa de televisão quanto ao entrarmos numa “viagem” induzida por drogas… E assim como os alcoólicos têm apenas uma vaga consciência do seu vício, achando que controlam a bebida mais do que realmente o fazem (…) do mesmo modo as pessoas sobrestimam o seu controle sobre o tempo passado a ver televisão. (…) Em última análise são os efeitos adversos causados pela televisão sobre a vida de tantas pessoas que a definem como um sério vício. O hábito de ver televisão distorce o sentido temporal. Torna as outras experiências vagas e curiosamente irreais enquanto assume para si própria uma realidade maior. Ela enfraquece os relacionamentos ao reduzir, e algumas vezes eliminar, as oportunidades normais para conversar, para comunicar.

O persuasor oculto

O mais perturbante de tudo isto é o seguinte: o conteúdo da televisão não é uma visão, mas sim um fluxo manufacturado de dados que podem ser sanitizados por forma a “protegerem” ou imporem valores culturais. Somos assim confrontados por uma droga viciante e totalmente envolvente que provoca uma experiência cuja mensagem é toda a mensagem que os seus controladores desejem passar. Existirá algo capaz de proporcionar um terreno mais fértil para estimular o fascismo e o totalitarismo do que isto? Nos Estados Unidos há muitos mais televisores do que lares, os televisores ficam ligados em média durante seis horas por dia, e a pessoa média vê mais de cinco horas de televisão por dia – quase um terço do seu tempo de vigília. Por mais conscientes que estejamos destes factos simples, parecemos incapazes de reagir às suas implicações. O estudo sério dos efeitos da televisão sobre a saúde e a cultura só começou recentemente. No entanto, nenhuma droga histórica isolou tão rápida e completamente toda a cultura dos seus utilizadores do contacto com a realidade. E nenhuma droga na história foi tão bem sucedida no refazer, à sua própria imagem, dos valores da cultura que ela infectou.
A televisão, pela sua natureza, é a droga dominadora por excelência. O controle do conteúdo, a uniformidade do conteúdo e a repetição do conteúdo tornaram-na um instrumento inevitável de coerção, lavagem cerebral e manipulação. A televisão induz no espectador um estado de transe que é a pré-condição necessária à lavagem cerebral. À semelhança de todas as outras drogas e tecnologias, o carácter básico da televisão não pode ser modificado; a televisão não é mais reformável do que a tecnologia produtora de espingardas automáticas de assalto.
Do ponto de vista da elite dominadora, a televisão surgiu precisamente no momento certo. Os quase 150 nos de epidemias de drogas sintéticas que tiveram início em 1806 haviam levado ao repúdio pelo espectáculo de degradação humana e canibalismo espiritual que a comercialização institucional de drogas criara. Do mesmo modo como – quando deixou de ser conveniente – a escravatura se tornou odiosa aos olhos das mesmas instituições que a haviam criado, o abuso de drogas acabou por desencadear uma reacção contra esta forma de particular de capitalismo pirata. As drogas duras foram ilegalizadas. Claro que floresceram então os mercados clandestinos. Mas as drogas enquanto instrumentos oficiais de política nacional haviam sido desacreditadas. Continuaria a haver guerras do ópio, instâncias de governos coagindo outros governos e povos a produzirem ou comprarem drogas – mas no futuro essas guerras seriam sujas e secretas, seriam “encobertas”.
Enquanto os serviços secretos surgidos na sequência da segunda guerra Mundial passavam a assumir as suas posições “não oficiais” como cérebros dos cartéis internacionais de drogas, o espírito popular virava-se para a televisão. Achatando, editando e simplificando a televisão fez o seu trabalho e criou no pós-guerra uma cultura do tipo Barbie-e-ken. Os filhos de Ken e Barbie afastaram-se fugazmente da intoxicação da TV em meados dos anos sessenta através do uso de alucinogénios. “Alto aí!”, reagiram os dominadores, que ilegalizaram rapidamente os psicadélicos e cancelaram todas as pesquisas. Uma dose dupla de terapia televisiva e cocaína foi prescrita para os hippies errantes, e rapidamente eles foram curados e transformados em yuppies orientados para o consumismo. Somente alguns poucos recalcitrantes escaparam a este nivelamento de valores. Quase todos aprenderam a amar o Big Brother. E estes poucos que assim não procedem continuam a escutar o cacarejo desaprovador da cultura dominadora de cada vez que esta debica compulsivamente o grão da sua perplexidade por relação a “aquilo que aconteceu nos anos sessenta”.”

Terence McKenna

Sugerido por m.ego

sábado, dezembro 18, 2004

capitalismo



sugerido por cão de guarda

sexta-feira, dezembro 17, 2004

carta do povo de fallujah a kofi annan

A
Sua Excelência Kofi Annan
Secretário-geral das Nações Unidas
Nova York
Fallujah, 14 de Outubro de 2004
Excelência:

É mais que evidente que as forças estadunidenses estão a cometer diariamente crimes de genocídio no Iraque. Neste momento, enquanto lhe escrevemos, as forças estadunidenses estão a perpetrar esses crimes na cidade de Fallujah. Os aviões de guerra dos EUA estão a lançar as mais potentes bombas contra a população civil da cidade, assassinando e ferindo centenas de pessoas inocentes. Ao mesmo tempo, os seus tanques atacam a cidade com artilharia pesada. Não foram desenvolvidas acções por parte da Resistência de Fallujah nas últimas semanas porque as negociações entre os representantes da cidade e o governo [interino de Ilyad Allawi] avançavam. Nesse clima, os novos bombardeamentos por parte dos EUA verificaram-se enquanto o povo de Fallujah se dispunha a preparar-se para o jejum do Ramadão. Agora muitos deles estão presos entre as ruínas das suas casas destruídas e ninguém os pode ajudar enquanto os combates continuam.

Na noite de 13 de Outubro um só bombardeamento estadunidense destruiu 50 casas com os seus residentes dentro. Será isto um crime de genocídio ou uma lição sobre a democracia estadunidense? É óbvio que os estadunidenses estão a executar actos de terror contra o povo de Fallujah por uma só razão: a sua recusa em aceitar a ocupação.

Sua Excelência e o mundo inteiro sabem muito bem que os estadunidenses e seus aliados devastaram o nosso país sob o pretexto da ameaça de armas de destruição maciça. Agora, após toda a destruição e os assassinatos de milhares de civis, admitiram que as armas não foram encontradas. Mas nada disseram sobre os crimes que cometeram. Vão os EUA pagar alguma compensação como se obrigou o Iraque a fazer após a Guerra do Golfo de 1991?

Al-Zarqawi: um pretexto inventado pelos EUA

Sabemos que vivemos num mundo de critérios duplos. Em Fallujah [os estadunidenses} criaram um novo e vago objectivo: "al-Zarqawi". Al-Zarqawi não é senão um novo pretexto para justificar os seus crimes, matando e bombardeando civis todos os dias. Passou-se quase um ano desde que criaram este novo pretexto e cada vez que destroem casas, mesquitas, restaurantes e matam crianças e mulheres dizem "lançámos uma operação com êxito contra al-Zarqawi". Nunca dirão que o mataram porque tal pessoa não existe. E isso significa que o assassínio de civis e o genocídio quotidiano prosseguirá.

O povo de Fallujah assegura a V. Exa. que essa pessoa, se existir, não está em Fallujah nem provavelmente em nenhum outro lugar do Iraque. O povo de Fallujah pediu muitas vezes que qualquer pessoa que veja al-Zarqawi lhe dê a morte. Agora todo o mundo percebeu que este homem não senão um herói hipotético criado pelos estadunidenses. Ao mesmo tempo, o representante de Fallujah, nosso dirigente tribal, denunciou em repetidas ocasiões as acções de sequestro e o assassínio de civis, nós não temos nenhuma relação com qualquer grupo que se comporte de maneira tão desumana.

Excelência: Apelamos a si e a todos os dirigentes do mundo para que exerçam a pressão mais forte possível junto à administração Bush para que ponha fim aos seus crimes em Fallujah e para que retire o seu exército da cidade. Fallujah gozava de tranquilidade e paz quando saíram. Não fomos testemunhos de nenhuma desordem na cidade. A administração civil funcionava bem apesar dos seus limitados recursos. Simplesmente não demos as boas vindas às forças de ocupação. Esse é o nosso direito de acordo com a carta das Nações Unidas, com o Direito Internacional e com as normas da humanidade. Se os estadunidenses acreditam ao contrário, deveriam abandonar antes as Nações Unidas e todas as suas agências antes de actuar de modo contrário à Carta que subscreveram.

É muito urgente que V. Exa., juntamente com os dirigentes mundiais, intervenha de maneira imediata para prevenir um novo massacre.

Tentámos contactar os vossos representantes no Iraque a fim de pedir-lhes que sejam mais activos a este respeito mas, como sabe V. Exa., estão a viver na "Zona Verde" [de máxima segurança em Bagdad], onde não podemos aceder. Queremos que as Nações Unidas tomem partido sobre a situação de Fallujah bem como da de muitas partes do nosso país.

Com os nossos melhores cumprimentos,

Kassim Abdullsattar al-Jumaily
Presidente do Centro de Estudos dos Direitos Humanos e da Democracia

Em nome do povo de Fallujah e do:
Conselho da Shura de Al-Faluya
Associação de Sindicatos
Sindicato dos Professores
Conselho dos Dirigentes tribais
Casa da Fatwa e da Educação Religiosa

sugerido por m.ego

quarta-feira, dezembro 15, 2004

portugal já não é português

Somos um país com cada vez menos identidade.
A pouca que temos está em vias de extinção.

O que nos distingue, pessoas e seus grupos, é a conjugação de pequenos detalhes, e hoje já temos poucos específicos.

O território é cada vez menos nosso, tanto devido à dissolução do Estado nas instituições internacionais, como pela compra directa de estrangeiros ricos ou pela invasão de emigrantes esfomeados.

O sistema político e a estrutura social em pouco difere da do restante mundo ocidental.

Exército actuante não temos felizmente. Afinal, para nos proteger de quê ou de quem? De nós mesmos talvez…

A moeda é o…euro.

Crescemos economicamente por nos termos aberto ao mundo vendendo o nosso mercado à Europa. A força económica nacional é quase inexistente resumindo-se a um Estado ainda displicente, algumas empresas internacionalizadas e a consumidores ávidos que exibem orgulhosamente produtos com marcas e produção estrangeira. Os chineses vêm aí! Aliás, os chineses estão aí. São a cada vez maior e mais dinâmica comunidade invisível, que já dominam comercialmente os centros das nossas cidades, invadindo-nos com a sua massificada produção, contra a qual somos cada vez mais incapazes.

As nossas tradições já só vivem com os nossos emigrantes, que desprezamos com vergonha pois lembram-nos quem éramos.

Neste mundo bilingue o nosso esplêndido português tem tendência a tornar-se a segunda escolha, e é cada vez mais brasileiro.

A alimentação segue cada vez mais os padrões dos franchising espalhados pelo mundo. E não possuem ementa portuguesa. O mesmo se diga das modas de vestir, e outras.

A cultura que absorvemos e pela qual nos expressamos é quase toda anglo-saxónica e/ou brasileira. Veja-se a TV, cinema, rádio, música, moda, literatura, marketing, desporto, noticiários ou artes plásticas, e agora a W.W.W..

É esta a educação que nos conduz. São estes os modelos que seguimos. Os padrões internacionais.

As nossas convicções, causas e sonhos também nada têm de originais.

Mantemos a velha saudade nostálgica de uma história gloriosa (glória que só nós vemos e saudamos).

Temos ainda as praias (que destruímos por falta de planeamento urbano e turístico de qualidade), e o afamado sol que não é exclusivo nosso.

Mas o único património que realmente temos exclusivo somos nós próprios. É a nossa criatividade e coragem. Mas até esse é ainda diminuto pela longínqua história de repressão politica e pequenez económica que minimiza a confiança necessária ao despoletar da criação.

Acabam por ser os nossos emigrantes a ser os nossos mais destacados e respeitados! Enfim.

Como somos poucos e pobres estamos a ser rapidamente corroídos e reesculpidos por esta chuva dissolvente a que chamamos globalização.

Já não pertencemos ao jardim à beira mar plantado. Agora somos membros da aldeia global.

É a mudança. É a evolução por que sempre clamamos, e que exige o esforço da adaptação. É uma oportunidade também.

Gosto desta união integrativa. Viva o cosmopolitismo.

É sempre difícil enfrentar o mistério, o futuro, mas estou entusiasmado. E você?

surfista prateado

sugerido por surfista prateado

segunda-feira, dezembro 13, 2004

stencil I




m.ego

sugerido por m.ego

poema anarquista

"We don't need government
We need utilities.
Air, water, energy
Travel and communication means
Food and shelter.
We have no need for imaginary mountain ranges
Between separate nations.
We can make tunnels through the real ones.
Nor do we have any need for the continuing division of people
Into those who have what they need
And those who don't.
Both Fuller and Marshal McLuhan
Knew, furthermore
That work is now obsolete.
We have invented machines to do it for us.
Now that we have no need to do anything
What shall we do?
Looking at Fuller's geodesic world map
We see that the Earth is a single island, Oahu.
We must give all the people all they need to live
In any way they wish.
Our present laws protect the rich from the poor.
If there are to be laws, we need ones that
Begin with the acceptance of poverty as a way of life.
We must make the world safe for poverty without dependence on government."

- John Cage

sugerido por Capitão de Malta

domingo, dezembro 12, 2004

a que chamamos paz?

"Estou totalmente encantada por receber o Prémio da Paz de Sydney. Mas devo aceitá-lo como um prémio literário que honra uma escritora pelos seus escritos, porque ao contrário das muitas virtudes que me são falsamente atribuídas, não sou uma activista, nem a dirigente de algum movimento de massas, e não sou certamente a “voz dos sem voz”. (Sabemos, é claro, que não existe tal coisa como os “sem voz”. Há apenas os deliberadamente silenciados, ou os preferivelmente não ouvidos).

Sou uma escritora que não pode alegar representar outra coisa senão a si própria. Assim, mesmo que gostasse, seria presunçoso da minha parte dizer que aceito este prémio em nome daqueles que estão envolvidos na luta dos impotentes e dos desposados contra os poderosos. Posso, contudo, dizer que o aceito como a expressão da solidariedade da Fundação da Paz de Sydney com um certo tipo de política, uma certa visão do mundo, que milhões de nós em todo o mundo subscrevemos?

Pode parecer irónico que a uma pessoa que passa muito do seu tempo pensando em estratégias de resistência e conspirando para perturbar a paz aparente, lhe seja dado um prémio da paz. Lembrem-se que venho de um país essencialmente feudal – e há poucas coisas mais inquietantes do que uma paz feudal. Às vezes há verdade nos velhos clichés. Não pode haver paz verdadeira sem justiça. E sem resistência, não haverá justiça.

Actualmente, não é apenas a justiça em si, mas a própria ideia de justiça que está sob ataque. O assalto contra sectores frágeis e vulneráveis da sociedade é ao mesmo tempo tão completo, tão cruel e tão astuto – tudo abrangendo e contudo alvejando especificamente, descaradamente brutal e contudo inacreditavelmente insidioso – que o seu atrevimento absoluto corroeu a nossa definição de justiça. Forçou-nos a baixar os olhos e a diminuir as nossas expectativas. Mesmo entre os bem intencionados, o expansivo, magnífico conceito de justiça tem sido gradualmente substituído pelo reduzido e muito mais frágil discurso dos “direitos humanos”.

Se pensarmos bem, trata-se de uma mudança alarmante de paradigma. A diferença é que as noções de igualdade e de paridade têm sido esvaziadas e retiradas da equação. É um processo de atrito. Quase inconscientemente, começamos a pensar em justiça para os ricos e em direitos humanos para os pobres. Justiça para o mundo corporativo, direitos humanos para as suas vítimas. Justiça para os americanos, direitos humanos para afegãos e iraquianos. Justiça para as castas mais altas da Índia, direitos humanos para os dalits e adivasis (quando muito). Justiça para os australianos brancos, direitos humanos para os aborígenes e imigrantes (a maioria das vezes nem isso).

Está a ficar cada vez mais claro que a violação dos direitos humanos é uma parte inerente e necessária do processo de implementação de uma estrutura política e económica coerciva e injusta no mundo. Crescentemente, as violações contra os direitos humanos são mostradas como a falha infeliz, quase acidental, de um sistema político e económico que, de outro modo, é perfeitamente aceitável. Como se essas violações fossem um pequeno problema que pode ser varrido do mapa com um pouco mais de atenção de parte de algumas organizações não governamentais.

É por isso que em áreas de grandes conflitos — na Caxemira e no Iraque, por exemplo — os profissionais de direitos humanos são vistos com um certo grau de suspeita. Muitos movimentos de resistência de países pobres, lutando contra grandes injustiças e questionando os princípios subterrâneos do que é chamado de “libertação” e “desenvolvimento”, vêem as organizações não governamentais de direitos humanos como missionários contemporâneos que vieram aparar as arestas mais feias do imperialismo. Para neutralizar a ira política e manter o status quo.

Foi apenas há algumas semanas que uma maioria de australianos votou para reeleger o primeiro-ministro John Howard que, entre outras coisas, conduziu a Austrália a participar da invasão e ocupação ilegais do Iraque. Essa invasão entrará seguramente para a história como uma das guerras mais covardes jamais travadas. Foi uma guerra na qual um bando de nações ricas, com armas nucleares suficientes para destruir o mundo inúmeras vezes, cercaram uma nação pobre, falsamente acusada de ter armas nucleares, usaram as Nações Unidas para forçar o seu desarmamento, invadiram-na, ocuparam-na e estão agora no processo de vendê-la.

Falo do Iraque, não porque toda a gente fala nisso, (tristemente a custo de deixar outros horrores noutros lugares desenrolando-se no escuro), mas porque é o sinal de coisas que estão por vir. O Iraque marca o início de um novo ciclo. Oferece-nos uma oportunidade de observar a conspiração corporativo-militar que passou a ser conhecida como o “Império” em acção. No novo Iraque, arregaça as mangas.

À medida que a batalha pelo controle dos recursos do mundo se intensifica, o colonialismo económico, por meio da agressão militar oficial, ensaia uma volta à cena. O Iraque é a culminação lógica do processo de globalização corporativa, no qual se fundiram o neocolonialismo e o neoliberalismo. Se pudéssemos espiar através de uma fresta da cortina de sangue, vislumbraríamos as impiedosas transacções que ocorrem nos bastidores.

Invadido e ocupado, o Iraque teve que pagar 200 milhões de dólares em “reparações” correspondentes a lucros perdidos por corporações como: Halliburton, Shell, Mobil, Nestlé, Pepsi, Kentucky Fried Chicken e Toys’R’Us. Isso sem contar os 125 mil milhões de dívida soberana que forçaram o país a voltar-se para o FMI, que o aguardava nas suas asas como o anjo da morte, com o seu programa de ajuste estrutural. (Embora, no Iraque, não pareçam restar muitas estruturas passíveis de ajustamento. Excepto a difusa Al Qaeda.)

No novo Iraque, a privatização desbastou terra virgem. O exército dos EUA recruta cada vez mais mercenários privados para ajudar na ocupação. A vantagem com os mercenários é que, quando morrem, não são incluídos na contagem de corpos dos soldados dos EUA. Ajuda a gerir a opinião pública, o que é particularmente importante num ano de eleições. As prisões foram privatizadas. A tortura foi privatizada. Vimos a que isso conduz. Outras atracções no novo Iraque incluem o encerramento de jornais. Estações de televisão bombardeadas. Jornalistas mortos. O único tipo de resistência que conseguiu sobreviver é tão demente e brutal como a própria ocupação. Há aí espaço para uma resistência secular, democrática, feminista, não-violenta no Iraque? Na verdade, não há.

É por isso que recai sobre aqueles de nós que vivem fora do Iraque a criação de uma resistência de massas, secular e não-violenta à ocupação dos EUA. Se falharmos em fazer isso, então corremos o risco de permitir que a ideia de resistência seja sequestrada e amalgamada com o terrorismo e isso seria uma pena porque não são a mesma coisa.

Assim, o que significa paz neste mundo selvagem, corporativizado e militarizado? O que significa paz num mundo onde um sistema entrincheirado de apropriação criou uma situação em que países pobres que têm sido pilhados por regimes colonizadores durante séculos estão afogados em dívidas aos mesmos países que os pilharam? E têm de repagar essa dívida a uma taxa de 382 milhares de milhões de dólares por ano?

O que significa paz num mundo em que a riqueza combinada dos 587 bilionários do mundo excede o produto interno bruto combinado dos 135 países mais pobres do mundo? Ou quando países ricos que pagam subsídios agrícolas de um milhar de milhão de dólares por dia tentam e forçam países pobres a abandonar os seus subsídios?

O que significa paz para as pessoas no Iraque, na Palestina, na Caxemira, no Tibete e na Chechénia ocupados? Ou para o povo aborígene da Austrália? Ou para os ogonis da Nigéria? Ou para os curdos na Turquia? Ou para os dalits e adivasis da Índia? O que significa paz para os que não são muçulmanos em países islâmicos, ou para as mulheres no Irão, na Arábia Saudita e no Afeganistão?

O que significa paz para os milhões de pessoas que estão a ser desarreigadas das suas terras para a construção de barragens e projectos de desenvolvimento?

O que significa paz para os pobres que estão a ser activamente roubados dos seus recursos e para quem a vida de todos os dias é uma batalha agreste por água, abrigo, sobrevivência e, acima de tudo, alguma semelhança com dignidade? Para eles, paz é guerra.

Sabemos perfeitamente quem beneficia com a guerra na era do Império. Mas precisamos também perguntar-nos quem beneficia da paz na era do Império? Negociar com a guerra é criminoso. Mas falar de paz sem falar de justiça poderia facilmente tornar-se a defesa de um certo tipo de capitulação. E falar de justiça sem desmascarar as instituições e os sistemas que perpetuam a injustiça é muito mais que hipocrisia.

É fácil culpar os pobres por serem pobres. É fácil acreditar que o mundo é vítima de uma espiral crescente de terrorismo e guerra. É isso que permite ao presidente norte-americano dizer: «Ou estão connosco ou estão com os terroristas». Mas nós sabemos que essa é uma escolha falsa. Sabemos que o terrorismo não é mais do que a privatização da guerra. Que os terroristas são os livres mercadores da guerra. Eles crêem que o uso legítimo da violência não é prerrogativa exclusiva do estado.

É mentiroso fazer uma distinção moral entre a indescritível brutalidade do terrorismo e a carnificina indiscriminada da guerra e da ocupação. Ambos os tipos de violência são inaceitáveis. Não podemos apoiar uma e condenar a outra.

A verdadeira tragédia é que a maioria das pessoas no mundo está encurralada entre o horror de uma paz aparente e o terror da guerra. Esses são os dois íngremes penhascos em que estamos encurralados. A questão é: como sair fora desta fenda profunda?

Para aqueles que estão materialmente prósperos, mas moralmente desconfortáveis, a primeira questão que devem fazer a si próprios é se querem realmente sair fora dela. Até onde estão preparados para ir? A fenda tornou-se confortável demais?

Se realmente quiserem sair fora, há boas e más notícias.
A boa notícia é que um grupo avançado começou a sair há algum tempo. Já está meio caminho acima. Milhares de activistas em todo o mundo trabalharam muito, preparando apoios para os pés e segurando as cordas para tornar a subida mais fácil para os restantes. Não há apenas um caminho de saída. Há centenas de vias para lá chegar. Há centenas de batalhas a serem travadas em todo o mundo que precisam das vossas capacidades, das vossas mentes, dos vossos recursos. Nenhuma batalha é irrelevante. Nenhuma vitória é demasiado pequena.
A má notícia é que demonstrações coloridas, marchas de fim-de-semana e viagens anuais ao Fórum Social Mundial não são suficientes. Têm de existir actos dirigidos de verdadeira desobediência civil, com reais consequências. Talvez não possamos accionar um interruptor e conjurar uma revolução. Mas há várias coisas que poderíamos fazer. Por exemplo, poderíamos fazer uma lista das corporações que lucraram com a invasão do Iraque. Poderiam nomeá-las, boicotá-las, ocupar os seus escritórios e forçá-los a abandonar o negócio. Se pode acontecer na Bolívia, pode acontecer na Índia. Pode acontecer na Austrália. Porque não?

Isso é apenas uma pequena sugestão. Mas lembrem-se que, se a luta resultasse em violência, perderia visão, beleza e imaginação. E mais perigoso que tudo, marginalizaria e eventualmente vitimaria as mulheres. E uma luta política que não tem as mulheres no seu cerne, acima, abaixo e por dentro não é luta nem é nada.

O ponto é que a batalha deve ser assumida. Como o maravilhoso historiador americano Howard Zinn afirmou: não podemos ser neutros num comboio em andamento."

Arundhati Roy

(Extraído da palestra feita pela escritora indiana ao receber o Prémio da Paz de Sidney 2004.)

sugerido por m.ego

sábado, dezembro 11, 2004

mp3's e activismo

Depois da popularização da Internet nos anos 90, muita gente tem perdido tempo a reflectir sobre os benefícios e malefícios desta febre de downloads. Esta revolução tecnológica e comportamental fez diminuir significativamente as vendas dos álbuns, mas ao mesmo tempo ajudou a propagar e a internacionalizar a música de quase todos, até daqueles que sobreviviam no anonimato.

Será certo ou errado recorrer aos Kazaas, I-meshs, E-Mules, Soul Seeks etc para sacar músicas sem remunerar directamente os seus autores e editores? É uma pergunta difícil, mas vejamos a questão de outra forma: Será possível tirar dinheiro do nosso bolso para comprar todos os álbuns que desejamos ter? No meu caso, posso-vos garantir que não. Como não posso comprar tudo o que quero, resolvi adaptar os meus critérios de compra de cd's, à minha filosofia anti-capitalista.

Gosto de alguns artistas que estão em editoras majors, mas abdico de comprar os seus álbuns em favor de outros que são lançados por editoras independentes. Álbuns editados pela Sony, Universal, BMG etc, se gostar, tiro da net. Prefiro desviar o meu dinheiro para uma pequena empresa resistente do que para uma multinacional sanguessuga. Isto é activismo manos. Assim como os Black Panthers pediam aos negros americanos para fazerem circular o dinheiro que tinham apenas dentro da comunidade, e assim como Jesus Cristo (salvador ou impostor) pediu que olhássemos pelos mais desprotegidos, nós também devemos ter a preocupação de favorecer com o nosso dinheiro aqueles que têm menos.

Não é preciso fazer parte de movimentos revolucionários nem de se ser politizado para se ser um activista. O DJ que nas festas não inclui rap bling bling no seu set é um activista. O Professor que não se restringe ao programa de ensino pré-formatado e oferece aos seus alunos conhecimentos adicionais fidedignos é um activista. O trabalhador que oferece solidariedade total a um colega seu explorado ou despedido sem justa causa é um activista. Todos nós podemos sê-lo.

Sempre que puderes come os teus Hamburguers em Relotes e Tasquinhas em vez de comê-los em MacDonalds.

Sempre que puderes compra as tuas roupas em lojas de bairro, em vez de comprares nessas grandes cadeias de pronto-a-vestir.

Sempre que puderes vai divertir-te em house partys, em vez de ires a Mussulos e Kremlins.

Sempre que puderes compra as tuas coisas no mercado negro e paralelo em vez de comprares em Colombos e Amoreiras.

Sei bem que nem sempre há hipótese de tirarmos as multinacionais do nosso circuito de escolha (até porque em algumas áreas de comércio eles têm tudo monopolizado), mas sempre que puderes tenta fazê-lo. Esta máquina capitalista é alimentada por nós, por isso temos o poder de destrui-la. Não alimentem o monstro.

Valete

sugerido por Valete

sexta-feira, dezembro 10, 2004

leviatã revisitado
ou a propósito de hobbes, não o do calvin mas o outro...



Todo o homem tem naturalmente direito a tudo! A jusnaturale ou o direito de natureza assim o afirma partindo do pressuposto da liberdade que cada homem possui para usar o seu próprio poder em função de defesa da sua natureza e consequentemente de realizar tudo ao seu alcance que a sua razão lhe indique como meios adequados a esse fim. Isto porque, Liberdade significa na sua essência ausência de oposição. Estas são algumas das premissas enunciadas em Leviatã. O que Thomas Hobbes propunha para o Homem, como indivíduo, no século XVII apenas se cumpre hoje pela via do Estado totalitário. Paradoxo inevitável: A liberdade do Estado reprime o Homem livre. Ao contrário, a afirmação do Homem livre ameaça a acção omnipresente do Estado.
Todos os dias, oferecem-nos a execução de um inimigo ferido, moribundo, confirmado pelo bombardeamento de mais uma cidade invicta como um acto de satisfatório desespero heróico e juntos assistimos entretidos – porque é de entretenimento que se trata quando ligamos essa caixinha de pandora que se denomina de televisão – ao fim dos Estados, substituídos pela aliança, unificadora e panegírica do Ocidente. Desígnio este futurista da ascensão de uma nação global de feições orwellianas, há muito prevista. Será através da guerra de auto-aniquilamento dos estados que emergirá a tal Federação globalizante de governo do planeta avançada em 1984? Sendo assim, assistiremos pávidos ao supremo ritual, ao último sacrifício, à celebração final pela humanidade do dia que Apollo levantou o braço de ferro e esmagou Adónis. Neste processo, a Ordem restabelece o caos para homologar um poder de acção dominante, por isso mesmo e necessariamente, culturalizante, narcisista e auto-erótica sobre o “Outro – auto-erótica no sentido que a perfeição está de um só lado e por isso só “Eu” te posso possuir e só “Eu” e mais ninguém tenho a capacidade de me satisfazer. Aqui, não se pretende reciprocidade cultural mas antes a projecção de uma cultura sobre o vizinho. É certo e sabido que a Ordem só se consegue a partir do caos e é do caos que se restabelecerá uma Nova Ordem! A própria Coco Chanel, que gostava de tomar chá no Quartier Latin com os oficiais nazis, durante a ocupação de Paris, não se cansava de cantar ao mundo a sua mais ditada máxima: “Para criar é preciso destruir!”. Conclui-se que as sociedades dominadoras são em si, essencialmente, narcisistas. Mas sobre este assunto, de Freud a Mancia tudo isto já foi suficientemente explicado.
Hobbes enuncia no culminar da sua obra, os perigos da ascensão do Reino das Trevas. O Reino de Satanás, a soberania de Belzebu sobre os demónios que aparecem no ar – qualquer semelhança aqui com as imagens de bombardeiros americanos a atacar alvos militares no Médio Oriente é pura coincidência - por cuja razão, também é aclamado de príncipe do poder do ar e porque governa neste mundo, o príncipe deste mundo. Os filhos das trevas, como as escrituras prevêem no Livro do Apocalipse, são governados por uma confederação de impostores, que para obterem o domínio sobre os homens neste mundo presente, tentam por meio de escuras e erróneas doutrinas, extinguir neles a luz. Este é o Reino dos baptismos de fogo, das figuras fantasmagóricas, o Reino das aparições. Ao vermos e ouvirmos os nossos líderes políticos compreendemos que estes são na sua essência fantasmas ou figuras fantasmagóricas. Aparições televisivas. Seres de energia difusa, de uma transparência opaca que nada revela. Como em Hobbes “ídolos ou fantasmas do cérebro, sem qualquer natureza real própria, distinta de fantasia humana”.
A salvação perante a cavalgada heróica de um Estado narcisista é a assunção de um narcisismo individual, humano, sentido, positivo. Ao “Eu” do Estado opõe-se o “Eu” do Indivíduo. A elevação do Homem singular. Continuarei vivo, sobreviverei, enquanto permanecer “Eu” em detrimento de ser como os “Outros”, confundido na multidão, cinzenta, sem cor, empalidecida pela opressão da sociedade. A maior vitória do Indivíduo - utilizando a nomenclatura hobbesiana - do Reino da luz sobre o das trevas, foi a própria conquista do ciberespaço. Um espaço que se caracteriza por estar fora de controle de qualquer poder regulador, legislativo, jurídico ou moral. A revolução das classes, do princípio do século XX e a revolução sexual, dos anos 60, deram lugar à revolução electrónica. Tal como os piratas de antigamente, o pirata informático transporta na navegação que imprime ao espaço cibernético (que é tal como os oceanos setecentistas um mar de livre circulação), o próprio valor anarquizante, fora de qualquer governo ou opressão externa, tornando-o real a partir de um mundo virtual na assunção que a afinal a última premissa avançada por Marx em o “Capital” é possível. Em fase de conclusão, recordemos a grande máxima anarco-política anunciada certa vez por John Cage no seu magnífico manifesto/poema musical “Overpopulation and Art”: “[...]de derrota em derrota venceremos!”. Porque a Liberdade assumida pelo Indivíduo de uma forma intrínseca - pela de via de uma cultura de ser e estar - é como um veneno de acção lenta que se injecta no sangue do inimigo de cada vez que se luta e que pela via da gangrena, apodrecer-lhe-á a carne até à morte.

Capitão de Malta

Bibliografia:

Hobbes, Thomas, Leviatã. Lisboa. INCM. 2002 (ed. orig. 1660).
Freud, Sigmund. Três Ensaios Sobre a Teoria da Sexualidade. Livros do Brasil.
Mancia, Mauro. No olhar de Narciso. Ensaio sobre a memória, o afecto e a criatividade. Lisboa. Escher. 1990.
Lapouge, Gilles. Os Piratas. Lisboa. Antigona. 1998.
Orwell, Georges. Mil Novecentos e Oitenta e Quatro. Lisboa. Antigona. 1991.

Filmografia:

Overpopulation and Art: A Mesostic Poem – Spoken performance by John Cage. Real/Dir. Frank Sheffer e Andrew Culver. Musica: Ryoanji de John Cage. Mode Records and Allegri Films. 1995.

sugerido por Capitão de Malta

quinta-feira, dezembro 09, 2004

ctrl+alt+del = it's in our hands


by Odeith

sugerido por m.ego

...como vai o mundo?


by Odeith

sugerido por m.ego

quarta-feira, dezembro 08, 2004

daddy, why did we have to attack iraq?

Q: Daddy, why did we have to attack Iraq?
A: Because they had weapons of mass destruction honey.

Q: But the inspectors didn't find any weapons of mass destruction.
A: That's because the Iraqis were hiding them.

Q: And that's why we invaded Iraq?
A: Yep. Invasions always work better than inspections.

Q: But after we invaded them, we STILL didn't find any weapons of mass destruction, did we?
A: That's because the weapons are so well hidden. Don't worry, we'll find something, probably right before the 2004 election.

Q: Why did Iraq want all those weapons of mass destruction?
A: To use them in a war, silly.

Q: I'm confused. If they had all those weapons that they planned to use in a war, then why didn't they use any of those weapons when we went to war with them?
A: Well, obviously they didn't want anyone to know they had those weapons, so they chose to die by the thousands rather than defend themselves.

Q: That doesn't make sense Daddy. Why would they choose to die if they had all those big weapons to fight us back with?
A: It's a different culture. It's not supposed to make sense.

Q: I don't know about you, but I don't think they had any of those weapons our government said they did.
A: Well, you know, it doesn't matter whether or not they had those weapons.

We had another good reason to invade them anyway.

Q: And what was that?
A: Even if Iraq didn't have weapons of mass destruction, Saddam Hussein was a cruel dictator, which is another good reason to invade another country.

Q: Why? What does a cruel dictator do that makes it OK to invade his country?
A: Well, for one thing, he tortured his own people.

Q: Kind of like what they do in China?
A: Don't go comparing China to Iraq. China is a good economic competitor, where millions of people work for slave wages in sweatshops to make U.S. corporations richer.

Q: So if a country lets its people be exploited for American corporate gain, it's a good country, even if that country tortures people?
A: Right.

Q: Why were people in Iraq being tortured?
A: For political crimes, mostly, like criticizing the government. People who criticized the government in Iraq were sent to prison and tortured.

Q: Isn't that exactly what happens in China?
A: I told you, China is different.

Q: What's the difference between China and Iraq?
A: Well, for one thing, Iraq was ruled by the Ba'ath party, while China is Communist.

Q: Didn't you once tell me Communists were bad?
A: No, just Cuban Communists are bad.

Q: How are the Cuban Communists bad?
A: Well, for one thing, people who criticize the government in Cuba are sent to prison and tortured.

Q: Like in Iraq?
A: Exactly.

Q: And like in China, too?
A: I told you, China's a good economic competitor. Cuba, on the other hand, is not.

Q: How come Cuba isn't a good economic competitor?
A: Well, you see, back in the early 1960s, our government passed some laws that made it illegal for Americans to trade or do any business with Cuba until they stopped being Communists and started being capitalists like us.

Q: But if we got rid of those laws, opened up trade with Cuba, and started doing business with them, wouldn't that help the Cubans become capitalists?
A: Don't be a smart-ass.

Q: I didn't think I was being one.

A: Well, anyway, they also don't have freedom of religion in Cuba.

Q: Kind of like China and the Falun Gong movement?
A: I told you, stop saying bad things about China. Anyway, Saddam Hussein came to power through a military coup, so he's not really a legitimate leader anyway.

Q: What's a military coup?
A: That's when a military general takes over the government of a country by force, instead of holding free elections like we do in the United States.

Q: Didn't the ruler of Pakistan come to power by a military coup?
A: You mean General Pervez Musharraf? Uh, yeah, he did, but Pakistan is our friend.

Q: Why is Pakistan our friend if their leader is illegitimate?
A: I never said Pervez Musharraf was illegitimate.

Q: Didn't you just say a military general who comes to power by forcibly overthrowing the legitimate government of a nation is an illegitimate leader?
A: Only Saddam Hussein. Pervez Musharraf is our friend, because he helped us invade Afghanistan.

Q: Why did we invade Afghanistan?
A: Because of what they did to us on September 11th.

Q: What did Afghanistan do to us on September 11th?
A: Well, on September 11th, nineteen men -- fifteen of them Saudi Arabians hijacked four airplanes and flew three of them into buildings, killing over 3,000 Americans.

Q: So how did Afghanistan figure into all that?
A: Afghanistan was where those bad men trained, under the oppressive rule of the Taliban.

Q: Aren't the Taliban those bad radical Islamics who chopped off people's heads and hands?

A: Yes, that's exactly who they were. Not only did they chop off people's heads and hands, but they oppressed women, too.

Q: Didn't the Bush administration give the Taliban 43 million dollars back in May of 2001?
A: Yes, but that money was a reward because they did such a good job fighting drugs.

Q: Fighting drugs?
A: Yes, the Taliban were very helpful in stopping people from growing opium poppies.

Q: How did they do such a good job?
A: Simple. If people were caught growing opium poppies, the Taliban would have their hands and heads cut off.

Q: So, when the Taliban cut off people's heads and hands for growing flowers, that was OK, but not if they cut people's heads and hands off for other reasons?
A: Yes. It's OK with us if radical Islamic fundamentalists cut off people's hands for growing flowers, but it's cruel if they cut off people's hands for stealing bread.

Q: Don't they also cut off people's hands and heads in Saudi Arabia?
A: That's different. Afghanistan was ruled by a tyrannical patriarchy that oppressed women and forced them to wear burqas whenever they were in public, with death by stoning as the penalty for women who did not comply.

Q: Don't Saudi women have to wear burqas in public, too?
A: No, Saudi women merely wear a traditional Islamic body covering.

Q: What's the difference?
A: The traditional Islamic covering worn by Saudi women is a modest yet fashionable garment that covers all of a woman's body except for her eyes and fingers. The burqa, on the other hand, is an evil tool of patriarchal oppression that covers all of a woman's body except for her eyes and fingers.

Q: It sounds like the same thing with a different name.
A: Now, don't go comparing Afghanistan and Saudi Arabia. The Saudis are our friends.

Q: But I thought you said 15 of the 19 hijackers on September 11th were from Saudi Arabia.
A: Yes, but they trained in Afghanistan.

Q: Who trained them?
A: A very bad man named Osama bin Laden.

Q: Was he from Afghanistan?
A: Uh, no, he was from Saudi Arabia too. But he was a bad man, a very bad man.

Q: I seem to recall he was our friend once.

A: Only when we helped him and the mujahadeen repel the Soviet invasion of Afghanistan back in the 1980s.

Q: Who are the Soviets? Was that the Evil Communist Empire Ronald Reagan talked about?
A: There are no more Soviets. The Soviet Union broke up in 1990 or thereabouts, and now they have elections and capitalism like us. We call them Russians now.

Q: So the Soviets ? I mean, the Russians ? are now our friends?
A: Well, not really. You see, they were our friends for many years after they stopped being Soviets, but then they decided not to support our invasion of Iraq, so we're mad at them now. We're also mad at the French and the Germans because they didn't help us invade Iraq either.

Q: So the French and Germans are evil, too?
A: Not exactly evil, but just bad enough that we had to rename French fries and French toast to Freedom Fries and Freedom Toast.

Q: Do we always rename foods whenever another country doesn't do what we want them to do?
A: No, we just do that to our friends. Our enemies, we invade.

Q: But wasn't Iraq one of our friends back in the 1980s?
A: Well, yeah. For a while.

Q: Was Saddam Hussein ruler of Iraq back then?
A: Yes, but at the time he was fighting against Iran, which made him our friend, temporarily.

Q: Why did that make him our friend?
A: Because at that time, Iran was our enemy.

Q: Isn't that when he gassed the Kurds?
A: Yeah, but since he was fighting against Iran at the time, we looked the other way, to show him we were his friend.

Q: So anyone who fights against one of our enemies automatically becomes our friend?
A: Most of the time, yes.

Q: And anyone who fights against one of our friends is automatically an enemy?
A: Sometimes that's true, too. However, if American corporations can profit by selling weapons to both sides at the same time, all the better.

Q: Why?
A: Because war is good for the economy, which means war is good for America.

Also, since God is on America's side, anyone who opposes war is a godless an American Communist. Do you understand now why we attacked Iraq?

Q: I think so. We attacked them because God wanted us to, right?
A: Yes.

Q: But how did we know God wanted us to attack Iraq?
A: Well, you see, God personally speaks to George W. Bush and tells him what to do.

Q: So basically, what you're saying is that we attacked Iraq because George W. Bush hears voices in his head?
A. Yes! You finally understand how the world works. Now close your eyes, make yourself comfortable, and go to sleep. Good night.

Q: Good night, Daddy.

Robert Winer

sugerido por cão de guarda

a comercialização da alma

Foi-se o tempo em que as pessoas de vez em quando ainda ousavam pensar, envergonhadas, em outra coisa senão na sua própria venalidade e na do seu produto. Cada vez mais os indivíduos se transformam, de facto, naquele "homo economicus" que outrora era uma simples imagem da economia política clássica. Com a economização de todas as esferas da vida, a economização da consciência avançou para um grau até há pouco inconcebível -e isso, graças à globalização, nos quatro cantos do mundo, não só nos centros capitalistas. Quando até mesmo amor e a sexualidade, tanto na ciência quanto no quotidiano, são pensados cada vez mais como categorias económicas e estimados segundo critérios económicos, a "comercialização da alma" parece irresistível. Não há mais, é lícito pensar, nenhum oásis emocional, cultural ou comunitário alheio às garras económicas: o cálculo orientado pelo lucro abstracto e a política empresarial de custos perfazem, no início do século XXI, todo o circuito da existência. Dessa tendência social à plena economização nasceu, evidentemente, um novo tipo de socialização: o modelo da família nuclear fordista (mãe, pai, um filho, um cachorro, um carro) foi reduzido ao modelo do celibatário pós-moderno assexuado ("mónada hermética", um computador, um telemóvel). Aqui estamos às voltas, em certa medida, com indivíduos -concorrência solitários, municiados de alta tecnologia, que, ao mesmo tempo, regrediram socialmente ao estado do ego infantil: "Célere, flexível, pronta para o trabalho, egoísta, traiçoeira, superficial" -assim descreve uma revista económica alemã as qualidades essenciais da chamada "geração @". Pessoas com tal estrutura de carácter e forma de consciência teriam sido consideradas ainda nos anos 70 como perturbadas mentais e habilitadas a um tratamento sócio-pedagógico; hoje foram elevadas a modelo social. Isso porque somente uma combinação de inteligência tecnicamente reduzida a consertos domésticos, absoluto sangue-frio e imaturidade emocional pode possibilitar que a "adaptação ao mercado" por parte da pessoa chegue a extremos -e é justamente essa norma de conduta que requer o capitalismo global em crise. Não é à toa que se vêem, com frequência sempre maior, figuras púberes com a máscara do sucesso estampada no rosto. Esses são os supostos "fundadores" do novo empresariado na Internet, que trabalham feito loucos e se identificam com a sua empresa a ponto de renunciarem a si mesmos. Regalando-se nas suas fantasias de omnipotência, imaginam mudar a face do mundo, embora o seu conteúdo pessoal seja caracterizado por uma lastimável banalidade e redunde em efeitos tecnológicos mínimos ou nalguma forma de propaganda sem graça. Com o palavreado de entrevistadores pop, eles vêem-se fazendo uma "revolução", ao passo que na verdade são acríticos e conformistas ao extremo perante a ordem dominante, num grau jamais alcançado por nenhuma outra geração nos últimos 200 anos.

Excentricidade estapafúrdia

Claro que semelhante tipo de pobreza intelectual e emocional, que no fundo representa uma curiosidade digna de compaixão, não pode de forma nenhuma impor-se como realidade social. A maioria das pessoas não está em condições de promover tal afronta à sua personalidade, ainda que se empenhem. Mas, mesmo a excentricidade intelectual ou espiritual mais estapafúrdia pode parecer um modelo a ser seguido quando a sociedade a eleva a uma espécie de culto. Na sociedade dos media não há nada que não possa ser um breve intervalo encenado como moda de massas, porque a consciência dos consumidores há muito que perdeu o gume e se encontra indefesa.
Daí por que, de início, não se "ganha" consciência do "Zeitgeist". Ao contrário, o cego processo de desenvolvimento nas sociedades de mercado produz sempre novas tendências e gostos a princípio pouco claros, farejados pelos media como cães no trilho de um odor desconhecido. E aos poucos é destilado um perfil que, muitas vezes, cedo é abafado, mas noutras se fortalece como modelo de uma determinada época ou formação do mercado. Isso pode valer para esferas isoladas como a política, a cultura popular, a ideologia, os produtos e marcas, incluindo doenças da moda ou demais histerias de massa, mas pode-se tratar também de um fenómeno abrangente, que dita as ordens a toda uma sociedade. Um certo tipo espiritual, cultural e social, que simboliza para um meio social em ascensão o segmento social dirigente, é de súbito guindado então ao trono do "Zeitgeist".
Dali em diante, a tendência antes espontânea transforma-se em programa e propaganda. Na mesma medida em que os protagonistas da nova economia, movidos a água mineral, foram forjados como estrelas pop, começaram também as "histórias económicas" a dominar as acções da indústria de entretenimento e a fundir-se numa espécie de novela do neoliberalismo. "Nada mais divertido do que a economia" -esse o slogan de um semanário alemão para investidores. Os acontecimentos na Bolsa, áridos e desinteressantes como são, não somente absorveram cada vez mais a economia e a política, mas nos anos 90 foram alçados ainda -para além dos tópicos da programação das emissoras privadas - à cultura pop de ampla difusão: quem não comungar desse espírito, assim dizia a mensagem em todos os canais, é burro e antiquado.
O "daytrader" transformou-se, como figura dos media, em aventureiro na selva dos mercados, o capitalista impúbere em príncipe de conto de fadas, a esperteza mercante em heroína da emancipação. Enquanto isso as batalhas dos "global players" pelas fusões e "aquisições hostis" são encenadas como um farwest, um campeonato de futebol ou um episódio da empreitada espacial. E, nas festas infantis, os petizes (como sugere um anúncio) não se mascaram mais como cowboys, mas como Bill Gates.
Paralelamente à indústria pop, e com coerência lógica, o economicismo desenfreado vira programa também na pedagogia. Claro que o sistema educacional e pedagógico sempre seguiu os imperativos da visão do mundo oficial. Mas nesse caso as directrizes oriundas das elites funcionais permaneceram estáveis por um longo intervalo de tempo, e a pedagogia, como instância de socialização que transcendia a família, detinha um inegável monopólio. Hoje, ao contrário, a matriz dos "valores", objectivos e conteúdos a serem transmitidos pelo sistema educacional não somente se tornou insegura e instável como também escolas e universidades foram obliteradas na sua tarefa de socialização pela empresa mediática universal e aos seus ditames têm de prestar contas.
E nos media o factor da economização já avançou bem mais do que na pedagogia: segundo a sua forma, tornaram-se nesse meio tempo (na sua maioria) puras empresas comerciais e, segundo o seu conteúdo, passaram a ser as grandes propagandistas de uma cultura pop orientada pelo dinheiro e pelo capitalismo - casino -e, portanto, fomentadoras da total economização. Sob a pressão desse desenvolvimento, a própria pedagogia tradicional começa a dissolver-se no totalitarismo económico, estimulada e assistida não só pelos media, mas também por todas as instituições oficiais.
Por volta de meados dos anos 90 -na maior parte dos países europeus e em conformidade ao modelo anglo-saxónico - foram promovidas grandes campanhas para orientar todo o sector pedagógico e educacional para as exigências de uma "economização e comercialização da vida". Numa acção concertada de governos e partidos políticos, bancos e caixas económicas, cartéis e associações de empresários, comunas, directorias de escolas e grémios universitários, abateu-se sobre todos os sectores pedagógicos uma onda inaudita de propaganda favorável à mentalidade economicista e comercial.
Numa amálgama de instrução económica e lavagem cerebral ideológica, inculca-se a imagem de uma pessoa que vive automaticamente, 24 horas por dia, segundo critérios empresariais e interioriza "o mercado" como destino e oportunidade, como conteúdo de vida e identidade, como inarredável círculo de vida unidimensional. Do director de museu ao enfermeiro, do artista ao mendigo nas ruas, todas as actividades e ocupações, mesmo aquelas que até hoje não eram entendidas como "económicas", devem ser vivenciadas do ponto de vista do marketing, sendo essa visão do mundo exercitada desde a infância. O objectivo é a pessoa como "empreendedor próprio": todas as relações sociais devem transformar-se em relações de oferta e procura, todos os contactos em "contactos com clientes". Essa dissolução da vida no economicismo capitalista não substitui simplesmente, como novo modelo abstracto da educação, o cânone tradicional da ética burguesa, mas é também exercitada na prática. No topo do sistema pedagógico e institucional, nas universidades, impôs-se tanto nas pesquisas como no leccionado em várias disciplinas numa orientação comercial imediata. Numa sociedade economizada, assim diz o postulado, cada disciplina científica, independentemente do seu respectivo conteúdo, é também uma disciplina económica. Todas as matérias científicas se rebaixam a subcategorias. Não importa se se trata de linguística, geologia, física, psicologia ou mesmo filosofia: os estudantes devem ser levados desde o início a considerar tudo quanto aprendem sob o ponto de vista da venalidade. Estudantes de todas as faculdades frequentam cursos económicos nos quais aprendem como classificar o saber de acordo com a sua avaliação pela "economia". Em parte, são encorajados a exercitar directamente a comercialização de conteúdos científicos em simulações empresariais. E não são poucos os estudantes que, de facto, montam os seus negócios ainda durante os estudos, para abreviar o caminho que leva do leccionado ao mercado. O mesmo vale para a pesquisa. Um número crescente de professores executa não somente pesquisas sob encomenda para empresas, mas já considera a própria instituição científica como uma espécie de firma a ser organizada segundo os pontos de vista empresariais. E onde os cientistas não seguem voluntariamente uma tal orientação, isso é-lhes exigido cada vez mais pelas instituições estatais: assim é que o governo federal alemão, ante a encarniçada resistência dos interessados, quer obrigar toda a pesquisa de vulto a trabalhar segundo critérios de imediata comercialização. Um passo além já foi dado há tempos pelo ensino público. O jogo das Bolsas como matéria de aula faz parte do dia-a-dia de muitas grades curriculares. Em Paris, Gilbert Molinier, professor de filosofia no colégio Auguste Blanqui, protestou no ano passado, numa carta aberta publicada pela imprensa, contra essa pedagogia das Bolsas: "Para grande espanto meu, ouvi dizer que o colégio Auguste Blanqui, em colaboração com um banco, tomou parte num "jogo" chamado "Les Masters de l'Economie". Esse jogo consiste em distribuir um portfólio de acções virtuais aos alunos. Estes obrigam-se, com a ajuda dos seus professores, chamados "padrinhos" (!), a maximizar o valor dessas acções num prazo de três meses. Entre os inúmeros prémios aos vencedores, o primeiro é uma viagem para conhecer a Bolsa de Nova York, o templo das finanças mundiais... Será que poderiam dizer-me qual o interesse pedagógico de semelhante 'jogo'? Se nele aprendemos que importa somente o que traz dinheiro, queiram por favor responder a esta pergunta: somos obrigados, por dever de ofício, a ministrar as aulas? Será também esse colégio outro cemitério da cultura?".

Burocratas da educação

Mas professores como Molinier são hoje vistos apenas como "desmancha-prazeres". Por toda a parte as matérias lectivas são programadas pelos burocratas da educação para servir de foco a "jovens empresários". Classes inteiras já se exercitam em cursos preparatórios de constituição de empresas, valor de acções e movimentos de mercado. Seguindo o modelo das "firmas escolares" inglesas e irlandesas, a "Fundação Alemã para a Criança e a Juventude" lançou uma campanha em 1997, na cidade de Berlim, intitulada "Espírito Empresarial - Um Ensino": aos alunos cumpria fundar "autenticas" micro - empresas e aprender a pensar em função dos lucros.
Nos media circulam histórias de sucesso, daquelas bem kitsch, sobre adolescentes sedentos de lucros, cujas micro-empresas programam websites, organizam viagens ou vendem sanduíches. Uma conversa fiada e tanto, suspeitosamente afim ao culto propagandista do "operário padrão" no socialismo de Estado. Toda criança que não conseguir acompanhar o pensamento mercantil deve sentir-se mal. Nos Estados Unidos, foram criados cursos na escola primária sob o lema "Crianças Aprendem o Capitalismo", nos quais meninos de sete a dez anos enfiam na cabeça as regras de compra e venda de acções e como operar derivativos.
E por último a própria escola é abandonada, como instituição, à "liberdade empresarial". Se é possível privatizar infra-estruturas e prisões, por que não o ensino público? O exemplo é dado por empresários, como o norte-americano David Henry, que quer administrar jardins-de-infância como uma rede de fast-food e levá-los à Bolsa. Mas as próprias escolas estatais devem "prover o seu sustento" por meio da actividade económica. Na maioria dos países cai por terra a proibição de anúncios dentro dos estabelecimentos de ensino. Quem, como professor, se habituou a que os corredores e os ginásios da escola sejam usados como área de propaganda, em breve não achará mal nenhum em circular ele mesmo como garoto propaganda. Na imprensa alemã muito se elogiou o director de um colégio bávaro que não se considerava mais um "pedagogo", mas sim um "administrador de empresa de porte médio".
O consolo de tudo isto é um só: as instituições de ensino são em toda a parte a lanterna de proa da sociedade, pois são as mais conservadoras de todas as instituições. Quando uma inovação chega à escola e ao ensino em geral, normalmente já se encontra fora de moda. Desse prisma, a inflação de economicismo nas instituições de ensino talvez indique que a era do comércio totalitário já se esgota.

Robert Kurz (sociólogo e ensaísta alemão)

sugerido por cão de guarda

terça-feira, dezembro 07, 2004

fim da ditadura

“Yo, Valete, o people está a preparar um K.O. definitivo a América.
Vai haver uma concentração clandestina no México, em Guadalajara… e queremos saber se vais ou não?”

Valete:

Eu sou Valete, bro, e sempre quis ser regicida
Sacrificar a vida pela maioria oprimida
Sem contrapartida, pela revolução sou suicida
Reserva um bilhete de ida para mim, ‘tou de partida
E vou com anti-americanismo que Mao Tse Tung propagandeara
Com a filantropia com que Platão revolucionara, outrora
Com aquele Marxismo que Trotsky impulsionara
Estou farto da senzala, chao, só me galas em Guadalajara
A minha aversão ao imperialismo não sara
Não quero fama, nem glória, dá-me só uma T-shirt de Che Guevara
Põe-me num 7.4.7, México aqui vou
Viajo lembrando de como a segunda torre se desmoronou
Depois de 15 horas de voo, meu Boeing aterrou
Já fora do aeroporto, houve um bro que me identificou

“irmão Valete, eu vim-te buscar para a concentração
Entra no carro só faltas tu para começar a acção”

Chegámos ao ponto rapidamente, assim clandestinamente
Provavelmente eu nunca vira pela frente tanta gente
Era uma cidade subterrânea cheia de dissidentes
Só resistentes e combatentes naquele contingente
Eu vi Sardar, Saramago, Mia Couto e Chomsky
Também vi os mentores do atentado de Nairobi
Nipónicos pa’ vingar Hiroshima e Nagasaki
Fidel Castro, Arafat, Chavez e Khadafi
Activistas do Hamas, Jihad e Hezbollah
Zapatistas, Talibãs e bombistas da Fatah
Todos diferentes mas com um objectivo em comum:
Acabar com esta ditadura que a América implantou
A sede de vingança deixava todo o exército operante
Deram o sinal pa’ nos reunirmos numa sala gigante
Em cima do palanque ‘tava um fulano que elaborava o plano
Com style de saudita ou iraquiano, só queria saber quem é esse mano
Deixava toda a gente focada enquanto ele liderava

(Outro Revolucionário) “Yo Valete é o Bin Laden”

(Valete) “Bin Laden?!?”

Bin Laden
Voz alterada sem barba e com cara totalmente modificada
Eu não o curtia mas ele era o que a América merecia
Radical sem diplomacia, assim como se exigia
Formulou o plano perfeito pá’ revolução que se pretendia
Tínhamos túneis subterrâneos até à cidade de Alexandria
Hackers bloqueavam a informação da NSA e da CIA
Tínhamos M1’s, F 16’s e muita artilharia, eu ria.

Informador

“Informação, informação.
As bases militares americanas em todo o mundo, já estão controladas pelas FARC , Al Qaeda e milhões de civis revoltosos.
O ataque aéreo ao pentágono está previsto para as 3h e 36 m.
Os ataques bombistas serão às 3h e 42 m
A invasão à Casa Branca ficará para 4h e 28m
Já sabem o que têm a fazer!”

Era um batalhão de insubmissos pa’ acabar com aquela arrogância
‘Tava incluído na missão Invasão à Casa Branca
Que seria reforçada pelo movimento black panther
Garanto qu’América nunca vira tanta encrenca
Fomos pelo túnel a dentro e chegámos em meio-dia
Alexandria tinha como Washington, cidade vizinha
E quando lá cheguei era inenarrável o que eu vira
América já ardia, rendida à nossa investida
Ficaram na defensiva, deixámos tropas sem vida
Éramos só homicidas com ira, topa a chacina
Numa outra ofensiva, edifício da ONU caíra
Largámos bué da mísseis em New York, Carolina
Califórnia, Louisiana, Detroit e Virgínia
Geórgia, Indiana, Illinois, Pensilvânia e Kansas
Ás quatro e um quarto já ‘tava tudo controlado
Nossos soldados já tinham a Rádio a TV e o Pentágono
Passado mais um bocado, Fidel leu o comunicado
“Acabou a Ditadura” podes crer é o golpe de estado.
E à porta da Casa Branca fiquei com Bin Laden a sós
Disse-lhe sem hesitar um coche: Deixa-me liquidar o George
Ele esboçou um sorriso e olhou-me fundo nos olhos
Sentiu segurança na minha voz e passou-me uma Kalashnikov
Era só ódio destruitivo na minha cabeça
Kalash fui exibindo assim a dar paleta
Eu fui o homem escolhido pa’ ditar a sentença
Olha o meu peito erguido pa’ vingar o planeta
Entrei na Casa Branca assim cheio de moral
Nossos snipers iam abatendo a escolta presidencial, eu andava
No piso inferior de corredor em corredor
Abria porta a porta à procura daquele estupor
Vi a porta dos fundos, senti um feeling interior
Abri… até que enfim Sr. Ditador
Agora sente o pavor
Vais pagar pela tua merda e pela dos teus antecessores
Isto é pelas vítimas das guerras que vocês fabricaram
Pelas bocas que morreram pela falta de pão que vocês negaram
Pelo terror que semearam, alastraram, perpetuaram
Pelos homens e mulheres que as vossas bombas mutilaram
Pelo suor dos trabalhadores que vocês escravizaram
Pela alma deste planeta que vocês danificaram.

(Tiros)

Valete

sugerido por Valete

sábado, dezembro 04, 2004

nós dizemos NÃO

Em Julho de 1988, em plena ditadura do general Pinochet, 300 intelectuais e artistas participaram no "Chile Cria", um encontro internacional de arte, ciência e cultura pela democracia no Chile. Este é o discurso de inauguração, que Eduardo Galeano pronunciou em nome de todos os convidados:

"Viemos de diversos países, e estamos aqui, reunidos à sombra generosa de Pablo Neruda: estamos aqui para acompanhar o povo do Chile, que diz não. Nós também dizemos não.
Dizemos não ao elogio do dinheiro e da morte. Dizemos não a um sistema que põe preço nas coisas e nas pessoas, onde quem mais tem é quem mais vale; dizemos não a um mundo que destina dois milhões de dólares por minuto para as armas de guerra enquanto mata, por minuto, 30 crianças, de fome ou doença curável. A bomba de neutrões, que salva as coisas e aniquila as pessoas, é um perfeito símbolo do nosso tempo. Para o sistema assassino que converte em objectivos militares as estrelas da noite, o ser humano não é nada mais do que um factor de produção e consumo e objecto de uso; o tempo não é outra coisa para além de um recurso económico; e o planeta inteiro, uma fonte de renda que deve render até a última gota do seu caldo. A pobreza é multiplicada para que a riqueza se possa multiplicar, e multiplicam-se as armas que garantem essa riqueza, riqueza de pouquinhos, e que mantém à margem a pobreza de todos os outros, e também se multiplica, enquanto isso, a solidão: nós dizemos não a um sistema que nega comida e nega amor, que condena muitos à fome de comida e muitos mais à fome de abraços.
Dizemos não à mentira. A cultura dominante, que os grandes meios de comunicação irradiam em escala universal, convida-nos a confundir o mundo com um supermercado ou uma pista de corrida, onde o próximo pode ser uma mercadoria ou um competidor, mas jamais um irmão. Essa cultura mentirosa, que grotescamente especula com o amor humano para lhe arrancar mais-valia, é na realidade a cultura da desvinculação : tem por deuses os ganhadores, os exitosos donos do dinheiro e do poder, e por heróis os "Rambos" fardados que cuidam das suas costas aplicando a Doutrina da Segurança Nacional. Pelo que diz e pelo que cala, a cultura dominante mente que a pobreza dos pobres não é um resultado da riqueza dos ricos, mas que é filha de ninguém, vinda no bojo de uma couve-flor ou da vontade de Deus, que fez os pobres preguiçosos e burros. Da mesma maneira, a humilhação de alguns homens provocada por outros não tem por que motivar a solidária indignação ou o escândalo, porque pertence à ordem natural das coisas: as ditaduras latino-americanas, por exemplo, fazem parte da nossa exuberante natureza e não do sistema imperialista de poder.
O desprezo transforma a história e mutila o mundo. Os poderosos fabricantes de opinião tratam-nos como se não existíssemos, ou como se fôssemos sombras tontas. A herança colonial obriga o chamado Terceiro Mundo, habitado por pessoas de terceira categoria, a aceitar como própria a memória dos seus vencedores, e obriga-o a compor a mentira alheia para a usar como se fosse a própria verdade. Premeiam a nossa obediência, castigam a nossa inteligência e desalentam a nossa energia criadora. Somos opinados, mas não podemos ser opinadores. Temos direito ao eco, não à voz, e os que mandam elogiam o nosso talento de papagaios. Nós dizemos não: nós negamo-nos a aceitar esta mediocridade como destino.
Nós dizemos não ao medo. Não ao medo de dizer, ao medo de fazer, ao medo de ser. O colonialismo visível proíbe dizer, proíbe fazer, proíbe ser. O colonialismo invisível, mais eficaz, convence-nos de que não se pode dizer, não se pode fazer, não se pode ser. O medo disfarça-se de realismo: para que a realidade não seja irreal, dizem os ideólogos da impotência, a moral haverá de ser imoral. Frente à indignidade, frente à miséria, frente à mentira, não temos outro remédio para além da resignação. Marcados pela fatalidade, nascemos preguiçosos, irresponsáveis, violentos, bobos, pitorescos e condenados à tutela militar. No máximo, podemos aspirar a converter-nos em prisioneiros do bom comportamento, capazes de pagar pontualmente os interesses de uma descomunal dívida externa contraída para financiar o luxo que nos humilha e o bastão que nos golpeia.
E neste estado de coisas, nós dizemos não à neutralidade da palavra humana. Dizemos não aos que nos convidam a lavar as mãos perante as quotidianas crucificações que ocorrem ao nosso redor. À aborrecida fascinação de uma arte fria, indiferente, contempladora do espelho, preferimos uma arte quente, que celebra a aventura humana no mundo e nela participa, uma arte irremediavelmente apaixonada e briguenta. Seria bela a beleza, se não fosse justa? Seria justa a justiça, se não fosse bela? Nós dizemos não ao divórcio entre a beleza e a justiça, porque dizemos sim ao seu abraço poderoso e fecundo.
Acontece que nós dizemos não, e dizendo não estamos dizendo sim.
Dizendo não às ditaduras, e não às ditaduras disfarçadas de democracias, nós estamos dizendo sim à luta pela democracia verdadeira, que a ninguém negará o pão e a palavra, e que será bela e perigosa como um poema de Neruda ou uma canção de Violeta Parra.
Dizendo não ao devastador império da cobiça, que tem o seu centro no norte da América, nós estamos dizendo sim a outra América possível, que nascerá da mais antiga das tradições americanas, a tradição comunitária: a tradição comunitária que os índios do Chile defendem desesperadamente, de derrota em derrota, há cinco séculos.
Dizendo não à paz sem dignidade, nós estamos dizendo sim ao sagrado direito de rebelião contra a injustiça e contra a sua longa história, longa como a história da resistência popular no longo mapa do Chile.
Dizendo não à liberdade do dinheiro, nós estamos dizendo sim à liberdade das pessoas: liberdade maltratada e machucada, mil vezes derrubada, como o Chile e, como o Chile, mil vezes erguida.
Dizendo não ao egoísmo suicida dos poderosos, que converteram o mundo num vasto quartel, nós estamos dizendo sim à solidariedade humana, que nos dá sentido universal e confirma a força de fraternidades mais poderosas que todas as fronteiras com todos os seus guardiães: essa força que nos invade, como a música do Chile, e que como o vinho do Chile nos abraça.E dizendo não ao triste encanto do desencanto, nós estamos dizendo sim à esperança, à esperança faminta e louca e amante e amada, como o Chile: a esperança obstinada como os filhos do Chile rompendo a noite."


GALEANO, Eduardo, "Nós Dizemos Não",Editora Revan, Brasil, 1990.

sugerido por cão de guarda

quarta-feira, dezembro 01, 2004

tomada de consciência

"enquanto não tomarem consciência não se revoltarão, e enquanto não se revoltarem não poderão tomar consciência."

George Orwell, in “1984”

sugerido por m.ego