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quinta-feira, abril 19, 2007

a receita do diabo

(Discurso do Presidente venezuelano na Sexagésima Primeira Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas – 20/09/06)

Apresentamos o discurso integral do presidente venezuelano. Neste discurso, Chávez classificou o presidente dos Estados Unidos como «o diabo» e as propostas apresentadas por Bush no discurso do dia anterior ante a ONU como «a receita do diabo». Esta foi a parte do discurso mais destacada na comunicação social dita “de referência”, ainda assim interpretada fora do contexto (sem fazer menção da «receita do diabo»), transformando-a num insulto gratuito.(…)

“Senhora Presidente, Excelências, Chefes de Estado, Chefes de Governo e Altos Representantes dos governos do mundo: muito bom dia a todos e a todas. Em primeiro lugar, quero convidar com muito respeito aqueles que não tenham tido a oportunidade de ler este livro, a que o leiam: Noam Chomsky, um dos mais prestigiosos intelectuais desta América e do mundo, Chomsky, num dos seus mais recentes trabalhos: Hegemonia ou Sobrevivência – A Estratégia Imperialista dos Estados Unidos. Excelente trabalho para entender o que aconteceu no mundo, o século XX, o que está a acontecer hoje, e a maior ameaça que paira sobre o nosso planeta: a pretensão hegemónica do imperialismo norte-americano põe em risco a própria sobrevivência da espécie humana.

Continuamos a alertar sobre esse perigo e a fazer um apelo ao próprio povo dos Estados Unidos e ao mundo para deter esta ameaça que é como a própria espada de Damocles. Eu pensava ler algum capítulo mas, para respeitar o tempo, é melhor que o deixe como uma recomendação. Lê-se rápido. (É muito bom, senhora Presidente, seguramente o conhece). Foi publicado em inglês, alemão, russo, em árabe, seguramente.

Vejam, eu creio que os primeiros cidadãos que deveriam ler este livro são os cidadãos irmãos e irmãs dos Estados Unidos, porque têm a ameaça em sua própria casa; o diabo está em casa, pois. O diabo, o próprio diabo, está em casa. Ontem veio o diabo aqui.

Ontem esteve o diabo aqui, neste mesmo lugar. Ainda cheira a enxofre esta mesa onde me cabe falar. Ontem, senhoras, senhores, desta mesma tribuna o senhor Presidente dos Estados Unidos, a quem eu chamo “o diabo”, veio aqui falar como dono do mundo, como dono do mundo. Um psiquiatra não estaria a mais para analisar o discurso de ontem do Presidente dos Estados Unidos. Como porta-voz do imperialismo, veio dar as suas receitas para tratar de manter o actual esquema de dominação, de exploração e de saque dos povos do mundo. Para um filme de Alfred Hitchcock, estaria bom; inclusive eu proporia um título: “A receita do diabo”.

Ou seja, o imperialismo norte-americano – e aqui Chomsky di­‑lo com uma clareza meridiana e profunda – está a fazer esforços desesperados para consolidar o seu sistema hegemónico de dominação. Nós não podemos permitir que isso ocorra, não podemos permitir que se instale a ditadura mundial, que se consolide, pois, que se consolide a ditadura mundial.

O discurso do Presidente-Tirano mundial, cheio de cinismo, cheio de hipocrisia, é a hipocrisia imperial, a tentativa de controlar tudo. Eles querem impor­‑nos o modelo democrático como o concebem: a falsa democracia das elites. E além disso um modelo democrático muito original: imposto à bomba, a bombardeamentos e à base de invasões e canhonaços! Que democracia! Seria preciso rever as teses de Aristóteles, não? E dos primeiros que falaram lá na Grécia da democracia, para saber que modelo de democracia é esse, que se impõe à base de marines, de invasões, de agressões e de bombas.

Disse ontem o Presidente dos Estados Unidos, nesta mesma sala, o seguinte (cito): «Onde quer que você olhe, ouve extremistas que lhe dizem que pode escapar da miséria e recuperar a sua dignidade através da violência, do terror e do martírio». Onde quer que ele olhe vê extremistas! Estou certo de que te vê, irmão, com essa cor, e crê que és um extremista. Com esta cor, Evo Morales – que veio ontem, o digno presidente da Bolívia – é um extremista. Por todos os lados, os imperialistas vêem extremistas.

Não, não é que sejamos extremistas; o que ocorre é que o mundo está a despertar e por todos os lados os povos se insurgem.

Eu tenho a impressão, senhor ditador imperialista, de que o senhor vai viver o resto dos seus dias como um pesadelo, porque onde quer que olhe, nós vamos surgir, nós que nos insurgimos contra o imperialismo norte­‑americano, nós que clamamos pela liberdade plena do mundo, pela igualdade dos povos, pelo respeito à soberania das nações.

Sim, chamam­‑nos extremistas, insurgimo­‑nos contra o império, insurgimo­‑nos contra o modelo de dominação.

Depois, o senhor Presidente veio falar­‑lhes... assim o disse: «Hoje quero falar directamente às populações do Médio Oriente, o meu país deseja a paz...». Isto é certo. Se nós formos pelas ruas do Bronx, se nós formos pelas ruas de Nova Iorque, de Washington, de San Diego, da Califórnia, de qualquer cidade, de San Antonio, de San Francisco, e perguntarmos às pessoas nas ruas, aos cidadãos estadunidenses, este país quer a paz. A diferença está em que o governo deste país, dos Estados Unidos, não quer a paz, quer impor­‑nos o seu modelo de exploração e de saque, e a sua hegemonia à base de guerras. Essa é a pequena diferença. Quer a paz, e o que está a acontecer no Iraque? O que aconteceu no Líbano e na Palestina? E o que tem acontecido em 100 anos, pois, na América Latina e no mundo? E agora as ameaças contra a Venezuela, novas ameaças contra a Venezuela, novas ameaças contra o Irão... Falou ao povo do Líbano: «Muitos de vocês», disse, «viram como os vossos lares e as vossas comunidades ficaram presos no meio do fogo cruzado». Que cinismo! Que capacidade para mentir descaradamente perante o mundo! As bombas em Beirute, lançadas com precisão milimétrica, são fogo cruzado? Creio que o Presidente está a pensar nos filmes do [Velho] Oeste, quando se disparava desde a cintura e alguém ficava atravessado no fogo cruzado. Fogo imperialista, fogo fascista, fogo assassino e fogo genocida, o do império e de Israel contra o povo inocente da Palestina e o povo do Líbano! Essa é a verdade! Agora dizem que sofrem, que “estamos a sofrer porque vemos os vossos lares destruídos”.

Enfim, o Presidente dos Estados Unidos veio falar aos povos, veio dizer, além disso – eu trouxe, senhora Presidente, uns documentos, porque estive esta madrugada a ver alguns discursos e a actualizar as minhas palavras – falou ao povo do Afeganistão, ao povo do Líbano: «Digo ao povo do Irão... digo ao povo do Líbano... digo ao povo do Afeganistão...». Bem, as pessoas perguntam­‑se: assim como o Presidente dos Estados Unidos diz “eu digo” a esses povos, o que lhe diriam esses povos a ele, se esses povos pudessem falar? O que lhe diriam? Eu vou responder porque conheço a maior parte da alma desses povos, dos povos do Sul, dos povos atropelados. Diriam: “Império ianque go home”, esse seria o grito que brotaria por todas as partes se os povos do mundo pudessem falar a uma só voz ao Império dos Estados Unidos.

Por isso, senhora Presidente, colegas, amigas e amigos, nós no ano passado viemos aqui a este mesmo salão, como todos os anos nos últimos oito, e dizíamos algo que hoje está confirmado plenamente e creio que quase ninguém aqui nesta sala poderia parar para defender: o sistema das Nações Unidas – aceitemo­‑lo com honestidade – o sistema das Nações Unidas, nascido depois da Segunda Guerra Mundial desmoronou­‑se, desabou, não serve! Bem, para vir aqui fazer discursos, para nos vermos uma vez por ano, sim, para isso serve sim; e para fazer documentos muito longos e fazer boas reflexões e ouvir bons discursos como o de Evo ontem, como o de Lula, sim, para isso serve, e muitos discursos, o que nós estávamos a ouvir agora mesmo, do Presidente do Sri Lanka e o da Presidente do Chile. Mas converteram esta nossa Assembleia num órgão meramente deliberativo, meramente deliberativo, sem nenhum tipo de poder para causar impacto na realidade terrível que o mundo vive.

Por isso nós voltamos a propor, a Venezuela volta a propor aqui hoje, neste dia 20 de Setembro, que refundemos as Nações Unidas. Nós fizemos no ano passado, senhora Presidente, quatro modestas propostas que consideramos de necessidade impostergável para que nós, os Chefes de Estado, os Chefes de Governo, os nossos embaixadores, os nossos representantes, as assumamos e as discutamos.

Primeiro, a expansão – ontem Lula dizia isso aqui mesmo – do Conselho de Segurança, tanto nas suas categorias permanentes como nas não permanentes, dando entrada a novos países desenvolvidos e a países subdesenvolvidos do terceiro mundo, como novos membros permanentes. Isso em primeiro lugar.

Em segundo lugar, bem, a aplicação de métodos eficazes de atenção e resolução dos conflitos mundiais, métodos transparentes de debate, de decisões.

Terceiro, nos parece fundamental a supressão imediata – e isso é um clamor de todos – desse mecanismo antidemocrático do veto, o veto nas decisões do Conselho de Segurança. Vejamos um exemplo recente: o veto imoral do governo dos Estados Unidos permitiu que as forças israelitas destroçassem livremente o Líbano, na nossa cara, diante de todos nós, evitando uma resolução no Conselho de Segurança das Nações Unidas.

E em quarto lugar, é necessário fortalecer – dizemos sempre – o papel, as atribuições do Secretário-Geral das Nações Unidas. Ontem, o Secretário-Geral fazia-nos um discurso, praticamente de despedida, e reconhecia que nestes dez anos o que fez o mundo foi complicar-se, e que os graves problemas do mundo, a fome, a miséria, a violência, a violação dos direitos humanos, o que fez foram agravar-se. Isso é a consequência terrível do colapso do sistema das Nações Unidas e da pretensão imperialista norte-americana.

Por outro lado, senhora Presidente, a Venezuela decidiu há vários anos travar essa batalha dentro das Nações Unidas, reconhecendo as Nações Unidas como membro que somos, com a nossa voz, com as nossas modestas reflexões; somos uma voz independente para representar a dignidade e a busca da paz, a reformulação do sistema internacional; para denunciar a perseguição e as agressões do hegemonismo contra os povos do planeta. A Venezuela deste modo apresentou o seu nome, esta pátria de Bolívar apresentou o seu nome e postulou­‑se para um posto como membro não permanente do Conselho de Segurança. Saibam que o governo dos Estados Unidos iniciou uma agressão aberta, uma agressão imoral no mundo inteiro para tratar de impedir que a Venezuela seja eleita livremente para ocupar um assento no Conselho de Segurança; têm medo da verdade, o império tem medo da verdade, das vozes independentes, acusando­‑nos de extremistas. Eles são os extremistas.

Eu quero agradecer aqui a todos aqueles países que anunciaram o seu apoio à Venezuela, mesmo quando a votação é secreta e não é necessário que alguém o anuncie. Mas creio que dada a agressão aberta do império norte­‑americano, isso acelerou o apoio de muitos países, o que fortalece muito moralmente a Venezuela, o nosso povo, o nosso governo. O Mercosul, por exemplo, anunciou em bloco o seu apoio à Venezuela, os nossos irmãos do Mercosul – a Venezuela agora é membro pleno do Mercosul com o Brasil, a Argentina, o Uruguai e o Paraguai – e muitos outros países da América Latina, como a Bolívia; o Caricom na totalidade anunciou o seu apoio à Venezuela; a Liga Árabe na totalidade anunciou o seu apoio à Venezuela. Agradeço muitíssimo ao mundo árabe, aos nossos irmãos da Arábia, essa Arábia profunda. Aos nossos irmãos do Caribe. A União Africana, quase toda a África anunciou o seu apoio à Venezuela. E países como a Rússia, como a China e muitos outros países do planeta. Muitíssimo obrigado, em nome da Venezuela, em nome do nosso povo e em nome da verdade. Porque a Venezuela, ao ocupar um posto no Conselho de Segurança, vai trazer não só a voz da Venezuela, [mas] a voz do Terceiro Mundo, a voz dos povos do planeta, aí estaremos a defender a dignidade e a verdade.

Mas além de tudo isso, senhora Presidente, creio que há razões para que sejamos optimistas, irrenunciavelmente optimistas, diria um poeta, porque mais além das ameaças, das bombas, das guerras, das agressões, da guerra preventiva, da destruição de povos inteiros, pode­‑se apreciar que se está a levantar uma nova era. Como canta Silvio Rodríguez, «a era está a parir um coração». Levantam­‑se correntes alternativas, pensamentos alternativos, movimentos alternativos, juventudes com pensamento distinto; já se demonstrou em apenas uma década que era totalmente falsa a tese do fim da história, totalmente falsa a tese da instauração do império americano, da pax americana, a instauração do modelo capitalista neoliberal que o que gera é miséria e pobreza, é totalmente falsa a tese, veio abaixo, agora é preciso definir o futuro do mundo. Há um amanhecer no planeta e vê­‑se por todas as partes, pela América Latina, pela Ásia, pela Europa, pela Oceânia.

Quero ressaltar essa visão de optimismo para que fortaleçamos a nossa consciência e a nossa vontade de batalha para salvar o mundo e construir um mundo novo, um mundo melhor. A Venezuela soma­‑se a essa luta e por isso somos ameaçados.

Os Estados Unidos já planearam, financiaram e impulsionaram um golpe de Estado na Venezuela e os Estados Unidos continuam a apoiar movimentos golpistas na Venezuela e contra a Venezuela, continuam a apoiar o terrorismo. A Presidente Michelle Bachelet recordava há alguns dias – perdão, há alguns minutos – o horrível assassinato do ex-chanceler chileno Orlando Letelier; eu só acrescentaria o seguinte: os culpados estão livres e os culpados daquela acção, onde morreu também uma cidadã estadunidense, são norte-americanos, da CIA, terroristas da CIA. Mas, além disso, é preciso recordar nesta sala que dentro de poucos dias também se completarão 30 anos daquela acção terrorista horripilante da explosão do avião cubano, onde morreram 73 inocentes, um avião da Cubana de Aviación, e onde está o maior terrorista deste continente e que assumiu, ele próprio, a explosão do avião cubano, como autor intelectual?

Esteve preso na Venezuela uns anos, fugiu pela cumplicidade de funcionários da CIA e do governo venezuelano de então. Está a viver aqui nos Estados Unidos, protegido por este governo, réu confesso e condenado.

O governo dos Estados Unidos tem dois pesos e duas medidas, e protege o terrorismo.

Estas reflexões, para dizer que a Venezuela está comprometida na luta contra o terrorismo, contra a violência, e se une a todos os povos que lutam pela paz, e por um mundo de iguais.

Falei do avião cubano, o terrorista chama­‑se Luis Posada Carriles, está protegido aqui. Assim como estão protegidos aqui grandes corruptos que fugiram da Venezuela; um grupo de terroristas que lá puseram bombas contra embaixadas de vários países, que lá assassinaram gente durante o golpe de Estado, sequestraram este humilde servidor e iam fuzilá-lo, só que Deus meteu a sua mão, e um grupo de bons soldados e um povo que foi às ruas; e por milagre estou aqui. Estão aqui, protegidos pelo Governo dos Estados Unidos, os líderes daquele golpe de Estado e daqueles actos terroristas. Eu acuso o governo dos Estados Unidos de proteger o terrorismo, e de ter um discurso totalmente cínico.

Falamos de Cuba, viemos de Havana, viemos felizes de Havana, estivemos ali vários dias; e ali se pode ver o nascimento de uma nova era: a Cimeira do G-15, a Cimeira do Movimento dos Não-Alinhados, com uma resolução histórica: Documento Final – não se assustem, não vou ler tudo – mas aqui há um conjunto de resoluções tomadas em discussão aberta e com transparência por mais de 50 Chefes de Estado. Havana foi a capital do Sul durante uma semana. Relançamos o Grupo dos Não­‑Alinhados, o Movimento dos Não-Alinhados; e se algo posso pedir aqui a todos vocês, companheiros, irmãos e irmãs, é que ponhamos muita vontade para fortalecer o Grupo dos Não-Alinhados, importantíssimo para o nascimento da nova era, para evitar a hegemonia e o imperialismo.

E, além disso, vocês sabem que designámos Fidel Castro presidente do grupo dos Não-Alinhados para os próximos três anos, e estamos seguros de que o companheiro presidente Fidel Castro vai levar a batuta com muita eficiência. Para os que queriam que Fidel morresse, pois ficaram frustrados, e frustrados ficarão; porque Fidel já está uniformizado de novo de verde oliva, e agora não só é Presidente de Cuba, como também o Presidente dos Não-Alinhados.

Senhora Presidente, queridos colegas, presidentes, aí nasceu um movimento muito forte: o do Sul. Nós somos homens e mulheres do Sul, nós somos portadores, com estes documentos, com estas ideias, com estas críticas, com estas reflexões – já vou fechar a minha pasta e levar o livro, não esqueçam que o recomendo muito, com muita humildade – tratamos de contribuir com ideias para a salvação deste planeta, para salvá-lo da ameaça imperialista e para que, oxalá em breve, neste século, não muito tarde, oxalá possamos vê-lo e os nossos filhos e os nossos netos vivê-lo: um mundo de paz, sob os princípios fundamentais da Organização das Nações Unidas, porém relançada e relocalizada. Creio que temos que transferir as Nações Unidas para outro país, em alguma cidade do Sul, propusemos desde a Venezuela. Vocês sabem que o meu médico pessoal teve que ficar fechado no avião, o meu chefe de segurança teve que ficar fechado no avião: não permitiram que viessem às Nações Unidas. Outro abuso e atropelo, senhora Presidente, que pedimos desde a Venezuela que fique registado como violação – pessoal até – do diabo.

Cheira a enxofre, mas Deus está connosco. Um bom abraço, e que Deus nos bendiga a todos. Muito bom dia."

Hugo Chávez Frias

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