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sexta-feira, abril 29, 2005

em defesa da palavra

“Nas longas noites de insónia e nos dias de desânimo, aparece uma mosca que fica zumbindo na nossa cabeça: “Vale a pena escrever? Será que as palavras sobreviverão em meio aos adeuses e aos crimes? Tem sentido esta profissão que escolhemos – ou pela qual fomos escolhidos?”

As pessoas escrevem a partir de uma necessidade de comunicação e de comunhão com os outros para denunciar aquilo que perturba e compartilhar o que traz alegria.

As pessoas escrevem contra sua própria solidão e a solidão dos demais porque supõem que a literatura transmite conhecimentos, age sobre a linguagem e a conduta de quem a recebe, e nos ajuda a conhecermo-nos melhor, para nos salvarmos juntos.

Na realidade, escrevemos para as pessoas com cuja sorte ou má sorte se sente identificado: OS QUE COMEM MAL, OS QUE DORMEM POUCO, OS REBELDES E HUMILHADOS DESTA TERRA; QUE EM GERAL NEM SABEM LER. Dentre a minoria alfabetizada, quantas dispõem de dinheiro para comprar livros?

Que bela tarefa de anunciar o mundo dos justos e dos livres! Que função mais digna, essa de dizer não ao sistema da fome e das cadeias – visíveis ou invisíveis! Mas os limites estão a quantos metros de nós? Até onde os donos do poder nos dão permissão de ir?

Escrevemos para despistar a morte e destruir os fantasmas que nos afligem, por dentro; mas aquilo que escrevemos só pode ser útil quando coincide de alguma maneira com a necessidade colectiva de conquista da identidade. Ao dizer “Sou assim” e assim me oferecer, acho que eu gostaria como escritor, de poder ajudar muitas pessoas a tomar consciência do que são. Enquanto instrumento de revelação da identidade colectiva, a arte deveria ser considerada matéria de primeira necessidade e não artigo de luxo.

A obra nasce da consciência ferida do escritor e projecta-se ao mundo. Então, o acto de criação é um acto de solidariedade.

Acredito no meu ofício; creio no meu instrumento. Nunca pude entender porque escrevem esses escritores que vivem dizendo, tão cheios de si, que escrever não tem sentido num mundo onde as pessoas morrem de fome. Também jamais consegui entender os que convertem a palavra em alvo de fúrias ou um objecto de fetichismo.

A palavra é uma arma que pode ser bem ou mal usada: a culpa do crime nunca é da faca.

Creio que uma função primordial da literatura (…) actual consiste em resgatar a palavra, que foi usada e abusada com impunidade e frequência, para impedir ou atraiçoar a comunicação.

“Liberdade” é, no meu país, o nome de uma cadeia para presos políticos; chama-se “Democracia” a vários regimes de terror; a palavra “amor” define a relação do homem com seu automóvel; por revolução entende-se aquilo que um novo detergente pode fazer na sua cozinha; “glória” é o que um sabonete de certa marca produz; “felicidade”é a sensação que se tem ao comer salsichas. “País em paz” significa em muitos lugares da América Latina, “cemitério em ordem”; e onde se diz “homem são” deveria se ler muitas vezes “homem impotente”.

Ao escrever, é possível oferecer o testemunho do nosso tempo e da nossa gente, para agora e para depois, apesar da perseguição e da censura. Pode-se escrever como que dizendo, de certa maneira: “Estamos aqui, aqui estivemos; somos assim, assim fomos”.

(…) Lentamente vai tomando força e forma uma literatura que não ajuda os demais a dormir; antes, tira-lhes o sono; que não se propõe enterrar os nossos mortos; antes que perpetua-los; que se nega a limpar as cinzas mas, em troca, procura acender o fogo.

Essa literatura continua e enriquece uma formidável tradição de palavras que lutam. Se é melhor – como cremos – a esperança à nostalgia, talvez esta literatura nascente possa chegar a merecer a beleza das forças sociais que mudarão radicalmente o curso da nossa história – mais cedo ou mais tarde, por bem ou por mal. E quem sabe ajude a guardar, para os jovens que virão, “o verdadeiro nome de cada coisa”- como dizia o poeta.”

Eduardo Galeano

sugerido por m.ego

quinta-feira, abril 28, 2005

pesadelos literários

"Socorro, doutor, não consigo dormir!

Seis moscas ficam a zumbir na minha cabeça e não me deixam dormir. O mosqueiro das minhas insónias, na verdade é muito mais numeroso - digo seis para encurtar a coisa. Descrevo aqui algumas das angústias que atormentam as minhas noites. Como se verá, não é pouca coisa. Referem-se nada menos que aos destinos do mundo.

Ficará o mundo sem professores?

Segundo o jornal The Times of India, está a funcionar com absoluto sucesso uma Escola do Crime, na cidade de Muzaffarnagar, na região ocidental do Estado indiano de Uttar Pradesh.

Ali oferece-se aos adolescentes uma formação de alto nível para ganhar dinheiro fácil. Um dos três directores, o pedagogo Susheel Mooch, é encarregado do curso mais sofisticado, que, entre outras matérias, inclui Sequestros, Extorsões e Execuções. Os outros dois ocupam-se de matérias mais convencionais. Todos os cursos incluem trabalhos práticos. Por exemplo, a didáctica do roubo em auto-estradas e estradas: escondidos, os estudantes mandam algum objecto metálico sobre o automóvel escolhido; intrigado com o ruído, o motorista pára e então passa-se ao assalto, que o docente supervisiona.Segundo os directores, a escola surgiu em resposta a uma necessidade de mercado e para cumprir uma função social. O mercado exige níveis cada vez mais altos de especialização na área da delinquência e a educação criminal é a única que assegura aos jovens um trabalho bem remunerado e permanente.Receio bastante que tenham razão. E apavora-me pensar que o exemplo se vá propagar pela Índia e pelo mundo. Que será – pergunto-me - dos pobres professores das escolas tradicionais, já punidos com salários de fome e com a pouca ou nenhuma atenção que lhes dão os alunos? Quantos professores conseguirão reciclar-se e adaptar-se às exigências da modernidade? Dos que conheço, nenhum. Consta que são incapazes de matar uma mosca e não têm talento sequer para assaltar uma velhinha órfã e paralítica. Que irão ensinar no mundo de amanhã, esse bando de inúteis?

Ficará o mundo sem presidentes?

Consta do diz-que-disse malicioso que um certo presidente de um certo país latino-americano viajou a Washington para negociar a dívida externa. De volta, anunciou ao seu povo uma notícia boa e uma má:- A notícia boa é que não devemos nem mais um centavo. A má é que todos os habitantes, temos vinte e quatro horas para sair do país.Os países pertencem aos seus credores. Os devedores devem obediência; o bom comportamento demonstra-se praticando o socialismo, mas o socialismo ao contrário: privatizando os lucros e socializando as perdas.- Nós fizemos o trabalho de casa - disseram, com poucos meses de diferença, Carlos Menem, ainda presidente da Argentina, e seu colega mexicano Ernesto Zedillo.

Pelo caminho que levamos, dentro em pouco também se vai privatizar o ar, e logo virão os especialistas explicar que quem não paga pelo ar não o sabe valorizar e não o merece respirar. Tudo ou quase tudo se privatizou, digamos assim, na Argentina, no Brasil, no Chile e no México. Nesses quatro países, explicaram que não havia outro remédio para pagar a dívida externa - e os quatro, agora, devem o dobro do que deviam há dez anos.

E essa é outra das fontes de angústia: fico sem sono, pressentindo que um dia destes os banqueiros credores virão desalojar os presidentes e se sentarão nas suas poltronas ao grito de: Basta de intermediários!

E, noite após noite, fico a revirar-me nos lençóis e perguntando-me onde irá parar toda essa gente. Onde conseguirá emprego essa mão-de-obra tão altamente qualificada?

Irão os presidentes aceitar qualquer tipo de biscate? No McDonald's, a fila é grande.

Ficará o mundo sem assunto?

O espectacular desenvolvimento da tecnologia tornou possível que todos nós, habitantes globais deste mundo, tenhamos passado mais de um ano - todo o de 98 e uma parte do de 99 - na expectativa do grande acontecimento do fim de século: as façanhas da linguista Mónica Lewinsky na sala oval da Casa Branca.A lewinskização globalizada permitiu a todos nós, nos quatro cantos do planeta, ler, ver e ouvir, até o mínimo detalhe, essa epopeia da humanidade. Os grandes meios de comunicação de massa outorgam-nos mil possibilidades de optar entre isto e isto.

Mas isso acabou por passar, como também passaram Grécia e Roma, e a partir daí, a grande imprensa, as redes de televisão e as rádios ficaram sem assunto. Estava eu a alimentar a esperança de que rebentasse outro sexgate quando alguém me contou que, segundo fontes bem informadas, a secretária de Estado Madeleine Albright ia denunciar o presidente por assédio sexual incessante. Mas nunca mais ouvi mencionar o caso e suspeito que se trate de um boato torpe, indigno de ocupar o centro da atenção universal.

E isso também me tira o sono. Agora que os jornalistas passaram a chamar-se comunicadores sociais, que irão eles comunicar à sociedade? De que irão viver? Mais uma multidão de desempregados lançados à rua?

Ficará o mundo sem inimigos?

Já faz bastante tempo que os Estados Unidos e os seus aliados da Nato não fabricam uma guerra. A indústria da morte está a ficar dócil. Os imensos orçamentos militares precisam de justificar a sua razão de ser e a indústria de armas não tem onde exibir os seus novos modelos.

Contra quem será lançada a próxima missão humanitária? Quem será o próximo inimigo? Quem fará o papel de vilão no próximo filme, quem será o Satã do inferno que virá?

Isso deixa-me muito preocupado. Estive a reler os motivos invocados para bombardear o Iraque e a Jugoslávia e cheguei à conclusão alarmante de que há um país, e um só país, que reúne todas as condições, todas, todinhas, para ser reduzido a escombros.Esse país é o principal factor de instabilidade da democracia em todo o planeta, devido ao seu velho costume de fabricar golpes de Estado e ditaduras militares. Esse país constitui uma ameaça para os seus vizinhos, que invade, com frequência, desde sempre. Esse país produz, armazena e vende a maior quantidade de armas químicas e bacteriológicas. É nesse país que se situa o maior mercado de drogas do mundo e nos seus bancos lavam-se milhões de narcodólares. A história nacional desse país é uma longa guerra de limpeza étnica, contra os índios primeiro, contra os negros depois; e esse país foi, nos anos recentes, o principal responsável pela matança étnica que aniquilou duzentos mil guatemaltecos, na sua maioria índios maias.

Irão os Estados Unidos auto-bombardear-se?

Invadir-se-ão a si próprios? Cometerão os Estados Unidos esse acto de coerência, fazendo consigo o que fazem com os outros?

As lágrimas molham a minha almofada !Queira Deus evitar que se passe semelhante desgraça com essa grande nação, que nunca foi bombardeada por qualquer outra.

Ficará o mundo sem bancos?

Na sua edição de 14 de Dezembro de 1998, a revista Time publicou o relatório do Congresso norte-americanos sobre a evaporação de cem milhões de dólares provenientes do tráfico de drogas, no México. Segundo a comissão parlamentar que investigou o caso, foi o Citibank que organizou a viagem dessa narcofortuna através de cinco países, assim como inventou empresas-fantasmas e nomes fantasiosos até conseguir apagar as pistas.

O sistema prisional norte-americano - com a maior população do planeta - está cheio de jovens pobres e negros, dependentes de droga; mas o Citibank, estrela brilhante do céu financeiro, não foi preso. Na verdade, essa foi uma ideia que não passou pela cabeça de ninguém. E no entanto, a leitura do relatório deixou-me a ruminar. É verdade que esse grande banco continua livre e prosperando; e que o sabão Citibank, o amaciador Banco Suíço, a água sanitária Bahamas, assim como tantas outras marcas prestigiadas pelas melhores lavandarias continuam a bater, alegremente, recordes de venda no mercado global de artigos de limpeza.

Mas não consigo deixar de pensar que a ameaça se acerca deles.O que aconteceria se um belo dia a guerra contra as drogas deixasse de ser uma guerra contra os drogados, que pune as vítimas, e se as armas corrigissem a pontaria, apontando a mira mais acima?

Agora, que a economia morreu e só existem as finanças, o que seria do mundo sem bancos? E o que seria do pobre dinheiro, condenado a deambular pelas ruas, como fazem as pessoas sem casa onde morar? Só de pensar nisso, sinto um aperto no coração.

Ficará o mundo sem mundo?

Um dia de Outubro de 98, em plena Era Lewinskiana, descobri uma notícia insignificante, perdida no pé-de-página de algum jornal. Três organizações ambientalistas - WWF International, New Economics Foundation e World Conservation Monitoring Centre - haviam chegado à conclusão de que, nos últimos trinta anos, o mundo perdeu cerca de um terço das suas riquezas naturais. A maior catástrofe ecológica desde a época dos dinossauros: a recuperação das plantas e animais extintos levaria pelo menos cinco milhões de anos.

Desde que li essa pequena notícia sem importância, outra obsessão deixa-me sem dormir. Não consigo tirar da cabeça o pressentimento de que, nalgum tempo, em nalgum lugar, animais e plantas nos farão um juízo final. Chego ao delírio de nos imaginar a todos, acusados por fiscais que nos apontarão, com a pata ou o galho:

-O que é que vocês fizeram deste planeta?

Em que supermercado o compraram?

Quem lhes deu o direito de nos maltratar e exterminar?

E vejo uma corte suprema de animais e vegetais lendo a sentença de condenação eterna contra o género humano.

Pagarão os justos pelos pecadores?

Passarei a minha eternidade no inferno, junto a bem-sucedidos empresários exterminadores do planeta, assim como os seus políticos comprados e os seus chefes guerreiros e os seus negociantes publicitários que vendem veneno envolvendo-o com celofane verde?

Um suor gelado faz-me tiritar o corpo. Até agora, achava que o juízo final era caso para Deus. Na pior das hipóteses, eu iria cumprir o meu destino compartilhando o churrasco perpétuo com assassinos de filmes enlatados, cantores de televisão e críticos literários. Agora, com a comparação, isso parece-me uma coisa à toa."

GALEANO, Eduardo, "Pesadelos Literários", 20 de Outubro de 2004.

sugerido por cão de guarda

terça-feira, abril 19, 2005

vontade de ir mais longe

"Não somos mais que nós próprios, nem menos que ninguém. Fizemos de tudo e ao mesmo tempo ainda não fizemos nada. A procura é incansável e por mais perto que chegamos mais vontade temos. Não é de chegar lá, mas de ir mais longe."

Cab, Dunya, Mosaik, Ram? e Sken

sugerido por m.ego