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terça-feira, junho 28, 2005

'meu irmão, eu fumo, eu cheiro, já roubei, já matei ...'



Não sou criança não. Sou sujeito homem.

de: autor desconhecido

sugerido por m.ego

quinta-feira, junho 09, 2005

AS CRIANÇAS

Dia após dia, nega-se às crianças o direito a serem crianças. Os factos, que troçam deste direito, ministram os seus ensinamentos na vida quotidiana.

O mundo trata os meninos ricos como se fossem dinheiro, para que se habituem a agir como age o dinheiro.

O mundo trata os meninos pobres como se fossem lixo, para que se transformem em lixo.

E aos do meio, aos meninos que não são nem ricos nem pobres, tem-nos atados aos pés do televisor, para que desde muito cedo aceitem, como destino, a vida prisioneira.

Muita magia e muita sorte têm as crianças que conseguem ser crianças.

As crianças ricas
No oceano do desamparo, erguem-se ilhas de privilégio. São luxuosos campos de concentração, onde os poderosos se encontram com os poderosos e nunca podem esquecer, nem por um momento, que são poderosos. Em algumas das grandes cidades latino-americanas, os raptos tornaram-se hábito e as crianças ricas crescem encerradas dentro da bolha do medo. Habitam mansões amuralhadas, grandes casas ou grupos de casas rodeadas de cercas electrificadas e de guardas armados, e são vigiadas dia e noite pelos guarda-costas e pelas câmaras e circuitos fechados de segurança. As crianças ricas viajam, tal como o dinheiro, em veículos blindados. Descobrem o metropolitano em Paris ou em Nova Iorque, mas nunca o usam em São Paulo ou na capital do México.

Elas não vivem nas cidades onde vivem. Está-lhes vedado esse vasto inferno que ameaça o seu minúsculo céu privado. Para além das fronteiras, estende-se uma região de terror onde as pessoas são muitas, feias, sujas e invejosas. Em plena era da globalização, as crianças já não pertencem a lugar algum, mas as que menos lugar têm são as que mais coisas têm: crescem sem raízes, despojadas de identidade cultural e sem mais sentido social do que a certeza de que a realidade é um perigo. A sua pátria está nas marcas de prestígio universal que distinguem as suas roupas e tudo aquilo que usam, e a sua linguagem é a linguagem dos códigos electrónicos internacionais. Nas mais diversas cidades e nos mais distantes lugares do mundo, os filhos dos privilegiados parecem-se entre si, em costumes e tendências, como se parecem entre si os ‘shoping centers’ e os aeroportos, que se encontram fora do tempo e do espaço. Educados na realidade virtual, são deseducados na ignorância da realidade real, que apenas existe para ser temida ou comprada.

‘Fast food, fast cars, fast life’: desde que nascem, as crianças ricas são treinadas para o consumo e para a fugacidade e passam a infância a provar que as máquinas são mais dignas de confiança do que as pessoas. Quando chegar o momento do ritual de iniciação, ser-lhes-á oferecida a primeira armadura todo-o-terreno, com tracção às quatro rodas. Durante os anos de espera, lançam-se a toda a velocidade nas auto-estradas cibernéticas e confirmam a sai identidade devorando imagens e mercadorias, fazendo ‘zapping’ e fazendo ‘shopping’. As ciber-crianças navegam pelo ciberespaço com o mesmo à-vontade com que as crianças abandonadas deambulam pelas ruas das cidades.

As crianças pobres
Muito antes de as crianças ricas deixarem de ser crianças e descobrirem as drogas que atordoam a solidão e mascaram o medo, já as crianças pobres inalam gasolina ou cola. Enquanto as crianças ricas brincam às guerras com balas de raios laser, já as balas de chumbo ameaçam os meninos de rua.

Na América Latina, as crianças e os adolescentes constituem quase metade da população total. Metade dessa metade vive na miséria. Sobreviventes: na América Latina morrem, por hora, cem crianças de fome ou de doença curável, mas há cada vez mais crianças pobres nas ruas e nos campos desta região que fabrica pobres e proíbe a pobreza. São crianças a maioria de todos os pobres; e são pobres, maioritariamente, as crianças. E, de todos os reféns do sistema, são as crianças as que vivem pior. A sociedade espreme-as, vigia-as castiga-as e às vezes mata-as: quase nunca as ouve, nunca as compreende.

Estas crianças, filhas de pessoas que trabalham temporariamente e que não têm trabalho nem lugar no mundo, são obrigadas, desde muito cedo, a viver ao serviço de qualquer actividade de ganha-pão, esmifrando-se em troca de comida ou de pouco mais, a todo o comprimento e a toda a largura do mapa do mundo. Depois de aprender a caminhar, aprendem quais as recompensas que se dão aos pobres que se portam bem: eles, e elas, são a mão-de-obra gratuita das oficinas, das lojas e das cantinas caseiras, ou são a mão-de-obra ao preço da chuva das indústrias de exportação que fabricam roupa desportiva para as grandes empresas multinacionais. Trabalham nas fainas agrícolas ou nas distribuições urbanas, ou trabalham em casa ao serviço de quem aí mandar. São pequenos escravos ou escravas da economia familiar ou do ‘sector informal’ da economia globalizada, onde ocupam o mais baixo escalão da população activa ao serviço do mercado mundial:

- nas lixeiras da Cidade do México, Manila ou Lagos, juntam vidros, latas e papéis, e disputam os restos de comida com os abutres;
- mergulham no mar de Java à procura de pérolas;
Procuram diamantes nas minas do Congo;
- são toupeiras nas galerias das minas do Peru, imprescindíveis pela sua pequena estatura, e, quando os seus pulmões não dão mais, vãp parar aos cemitérios clandestinos;
Cultivam café na Colômbia e na Tanzânia e são envenenadas com pesticidas;
- são envenenadas com os pesticidas das plantações de algodão da Guatemala e nos bananais das Honduras;
- na Malásia recolhem o látex das árvores da borracha, em jornadas de trabalho que vão de sol a sol;
- constroem vias férreas na Birmânia;
- no Norte da Índia, derretem nos fornos de vidro, e no sul nos fornos de tijolo;
- no Bangladesh, desempenham mais de trezentas ocupações diferentes, com salários que oscilam entre o nada e o quase nada por dia sem fim;
- participam em corridas de camelos para os emires árabes e são ginetes pastores nas quintas de Rio de la Plata;
- em Port-au-Prince, Colombo, Jacarta ou Recife, servem à mesa do patrão, em troca do direito a comer aquilo que cai da mesa;
- vendem fruta nos mercados de Bogotá e vendem pastilhas elásticas nos autocarros de São Paulo;
- limpam pára-brisas nas esquinas de Lima, Quito ou San Salvador;
- engraxam sapatos nas ruas de Caracas ou Guanajuato;
- cosem roupa na Tailândia e chuteiras no Vietname;
- cosem bolas de futebol no Paquistão e bolas de basebol nas Honduras ou no Haiti;
- para pagar as dívidas dos pais, colhem chá ou tabaco nas plantações do Sri Lanka e cultivam jasmins, no Egipto, com destino à perfumaria francesa;
- alugadas pelos pais, tecem carpetes no irão, Nepal e Índia, desde antes do amanhecer até depois da meia-noite, e quando chega alguém para as resgatar, perguntam: “O senhor é o meu novo amo?”;
- vendidas a cem dólares pelos pais, oferecem-se no Sudão para todo o tipo de tarefas sexuais ou para todo o serviço.

Os exércitos recrutam à força crianças, em alguns pontos da África, do Médio Oriente e da América Latina. Nas guerras, os soldadinhos trabalham a matar e, sobretudo, trabalham a morrer: constituem metade das vítimas nas guerras africanas recentes. Com excepção da guerra, que, conforme conta a tradição e ensina a realidade, é coisa de machos, em quase todas as restantes tarefas os braços das meninas revelam-se tão úteis quanto os braços dos meninos. Mas o mercado laboral reproduz nas meninas a descriminação que normalmente pratica contra as mulheres: elas, as meninas, ganham sempre menos do que o pouquíssimo que eles, os meninos, ganham, quando ganham alguma coisa.

A prostituição é desde cedo o destino de muitas meninas e, em menor escala, também de uns quantos meninos, em todo o mundo. Por assombroso que pareça, calcula-se que existem pelo menos cem mil prostituas infantis nos Estado Unidos segundo o relatório da UNICEF de 1997. mas é nos bordéis e nas ruas do sul do mundo que trabalha a maioria das vítimas infantis do comércio sexual. Esta indústria multimilionária, vasta rede de traficantes, intermediários, agentes turísticos e proxenetas, conduz-se com escandalosa impunidade. Na América Latina, não tem nada de novo: a prostituição infantil existe desde que, em 1536, se inaugurou a primeira casa de tolerância em Porto Rico. Actualmente, meio milhão de meninas brasileiras trabalha a vender o corpo, em benefício dos adultos que as exploram: tantas como na Tailândia, não tantas como na Índia. Em algumas praias das Caraíbas, a próspera indústria do turismo sexual oferece meninas virgens a quem puder pagar por elas. Em cada ano, aumenta a quantidade de meninas lançadas no mercado de consumo: segundo as estimativas dos organismos internacionais, pelo menos um milhão de meninas é incorporado anualmente na oferta mundial de corpos.

Não têm conta as crianças pobres que trabalham, em casa ou no exterior, para a família ou seja para quem for. Na maioria, trabalham fora da lei e fora das estatísticas. E as restantes crianças pobres? Das restantes, muitas são as que sobram. O mercado não precisa delas, nem nunca precisará. Não são rentáveis e nunca o serão. Do ponto de vista da ordem estabelecida, começam a roubar o ar que respiram e depois roubam tudo o que lhes aparece à frente. Entre o berço e a sepultura, a fome ou as balas costumam interromper-lhes a viagem. O mesmo sistema produtivo que despreza os velhos teme a crianças.

A velhice é um fracasso, a infância é um perigo. Cada vez há mais crianças marginais que ‘nascem com tendência para o crime’, no dizer de alguns especialistas. Elas integram o sector mais ameaçador dos ‘excedentes de população’. A criança como perigo público, ‘a conduta anti-social do menor na América’, é o tema recorrente dos Congressos Pan-Americanos da Criança, desde há uns tantos anos a esta parte. As crianças que vêm do campo para a cidade, e as crianças pobres em geral, ‘têm um comportamento potencialmente anti-social’, de acordo com as advertências dos Congressos desde 1963. os governos e alguns peritos no assunto partilham a obsessão pelas crianças doentes de violência, orientadas para o vício e para a perdição. Cada criança contém uma possível corrente do El Ñino e é preciso prevenir a devastação que pode provocar. No primeiro Congresso Policial Sul-Americano, celebrado em Montevideu em 1979, a polícia colombiana explicou que “o aumento cada vez maior da população de menos de dezoito anos induz à estimativa de uma maior população POTENCIALMENTE DELINQUENTE” (maiúsculas do documento original.

Nos países latino-americanos, a hegemonia do mercado está a destruir os laços de solidariedade e a destroçar o tecido social comunitário. Que destino têm os ninguéns, os donos de nada, em países onde o direito de propriedade está a transformar-se no único direito? E os filhos dos ninguéns? A muitos, que são cada vez mais, a fome empurra-os para o roubo, a mendicidade e a prostituição; e a sociedade de consumo insulta-os oferecendo aquilo que lhes nega. E eles vingam-se, lançando-se ao assalto, bando de desesperados unidos pela certeza da morte que os espera: segundo a UNICEF, em 1995 havia oito milhões de crianças abandonadas, meninos de rua, nas grandes cidades latino-americanas; segundo a organização Human Rights Watch, em 1993 os esquadrões parapoliciais assassinaram seis crianças por dia na Colômbia e quatro no Brasil.

As crianças que não são nem ricas nem pobres
Entre um extremo e outro, o meio. Entre as crianças que vivem prisioneiras da opulência e as que vivem desamparadas, estão as crianças que têm bastante mais que nada, mas muito menos que tudo.

São cada vez menos livres as crianças da classe média. “Que te deixem ser ou que não te deixem ser, eis a questão”, soube dizer Chumy Chúmez, humorista espanhol. A estas crianças a liberdade é confiscada, dia após dia, pela sociedade que sacraliza a ordem enquanto gera a desordem. O medo do medo: o chão range debaixo dos pés, já não há garantias, a estabilidade é instável, evaporam-se os empregos, desvanece-se o dinheiro, chegar ao fim do mês é uma façanha.

‘Bem-vinda, classe média’, saúda um cartaz à entrada de um dos bairros mais miseráveis de Buenos Aires. A classe média continua a viver em estado de logro, fingindo que cumpre as leis e que acredita nelas e simulando ter mais do que aquilo que tem; mas nunca lhe foi tão difícil cumprir esta abnegada tradição. A classe média encontra-se asfixiada pelas dívidas e paralisada pelo pânico de cair; pânico de perder o trabalho, o carro, a casa, as coisas, pânico de não chegar a ter o que se deve ter para se chegar a ser. No clamor colectivo pela segurança pública , ameaçada pelos monstros do crime que espreita, a classe média é aquela que grita mais alto. Defende a ordem como se fosse a sua proprietária, embora não seja mais do que uma inquilina esmagada pelo preço do aluguer e pela ameaça do despejo.

Apanhadas nas armadilhas do pânico, as crianças da classe média estão cada vez mais condenadas à humilhação da prisão perpétua. Na cidade do futuro, que é já a cidade do presente, as telecrianças, vigiadas por amas electrónicas, contemplarão a rua a partir de alguma janela das suas telecasas: a rua interdita pela violência ou pelo pavor à violência, a rua onde acontece o sempre perigoso e, por vezes prodigioso, espectáculo da vida."

Eduardo Galeano

sugerido por m.ego