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segunda-feira, maio 30, 2005

autocarro para a liberdade

"O barulho do ar condicionado do autocarro a martelar-me no pensamento. E eu ali. Eu ali, mas só corpo. Aquele barulho incómodo e eu uma ave. Eu sentado naquele autocarro maldito a olhar o céu. Nuvens brancas, grandes, bonitas e eu lá. Eu uma ave lá no meio das nuvens. E o vento a fazer ondular as minhas penas. Eu uma ave, eu alvura, eu liberdade.

E através daquela janela de autocarro olhei para baixo. Árvores; grandes pequenas, mas todas verdes, apesar de ser Outono, e eu lá. Eu uma ave, eu música, eu liberdade.

O barulho do ar condicionado a martelar-me, mas eu uma ave. Eu no banco do autocarro a olhar para o exterior. E eu uma ave, ali. Eu a voar ali ao meu lado. E eu a olhar para mim, ali a voar ao meu lado. Eu, ali preso, a olhar para mim ali livre.

Eu uma ave. Eu liberdade."

Gonçalo Mira

sugerido por m.ego

sexta-feira, maio 27, 2005

se os tubarões fossem homens

"Se os tubarões fossem homens, perguntou a filha de sua senhoria aosenhor K., seriam eles mais amáveis para com os peixinhos?

Certamente, respondeu o Sr. K. Se os tubarões fossem homens, construiriam no mar grandes gaiolas para os peixes pequenos, com todo tipo de alimento, tanto animal quanto vegetal. Cuidariam para que as gaiolas tivessem sempre água fresca e adoptariam todas as medidas sanitárias adequadas. Se, por exemplo, um peixinho ferisse a barbatana, ser-lhe-ia imediatamente aplicado um curativo para que não morresse antes do tempo.

Para que os peixinhos não ficassem melancólicos haveria grandes festas aquáticas de vez em quando, pois os peixinhos alegres têm melhor sabor do que os tristes. Naturalmente haveria também escolas nas gaiolas.

Nessas escolas os peixinhos aprenderiam como nadar alegremente em direcção à goela dos tubarões. Precisariam saber geografia, porexemplo, para localizar os grandes tubarões que vagueiam descansadamente pelo mar.

O mais importante seria, naturalmente, a formação moral dos peixinhos. Eles seriam informados de que nada existe de mais belo e mais sublime do que um peixinho que se sacrifica contente, e que todos deveriam crer nos tubarões, sobretudo quando dissessem que cuidam de sua felicidade futura. Os peixinhos saberiam que este futuro só estaria assegurado se estudassem docilmente. Acima de tudo, os peixinhos deveriam rejeitar toda tendência baixa, materialista, egoísta e marxista, e denunciar imediatamente aos tubarões aqueles que apresentassem tais tendências.

Se os tubarões fossem homens, naturalmente fariam guerras entre si, para conquistar gaiolas e peixinhos estrangeiros. Nessas guerras eles fariam lutar os seus peixinhos, e lhes ensinariam que há uma enorme diferença entre eles e os peixinhos dos outros tubarões. Os peixinhos, proclamariam, são notoriamente mudos, mas silenciam em línguas diferentes, e por isso não se podem entender entre si. Cada peixinho que matasse alguns outros na guerra, os inimigos que silenciam em outra língua, seria condecorado com uma pequena medalha de sargaço e receberia uma comenda de herói.

Se os tubarões fossem homens também haveria arte entre eles, naturalmente. Haveria belos quadros, representando os dentes dostubarões em cores magníficas, e as suas goelas como jardins onde sebrinca deliciosamente. Os teatros do fundo do mar mostrariam valorosos peixinhos a nadarem com entusiasmo rumo às gargantas dos tubarões. E a música seria tão bela que, sob os seus acordes, todos os peixinhos, como orquestra afinada, a sonhar, embalados nos pensamentos mais sublimes, precipitar-se-iam nas goelas dos tubarões.

Também não faltaria uma religião, se os tubarões fossem homens. Ela ensinaria que a verdadeira vida dos peixinhos começa no paraíso, ou seja, na barriga dos tubarões.

Se os tubarões fossem homens também acabaria a ideia de que todos os peixinhos são iguais entre si. Alguns deles se tornariam funcionários e seriam colocados acima dos outros. Aqueles ligeiramente maiores até poderiam comer os menores. Isso seria agradável para os tubarões, pois eles, mais frequentemente, teriam bocados maiores para comer. E os peixinhos maiores detentores de cargos, cuidariam da ordem interna entre os peixinhos, tornando-se professores, oficiais, polícias, construtores de gaiolas, etc.

Em suma, se os tubarões fossem homens haveria uma civilização no mar."

Bertold Brecht

sugerido por cão de guarda

quarta-feira, maio 18, 2005

era uma vez (com um final preto)

Nota: texto muito fodido!
"Era uma vez dois amigos, que gostavam muito de brincar juntos. Ela chamava-se Raquel, tinha cabelos loiros encaracolados e olhos azuis. Ele chamava-se Marco, tinha cabelo preto e encaracolado e olhos castanhos, era preto. Os papás da Raquel um dia viram que ela estava a brincar com o Marco e mandaram-na para casa. Disseram-lhe que não se brinca com pretos.

Ela não percebeu, o Marco era um menino como ela.

No dia seguinte o Marco foi para a rua brincar mas a Raquel não apareceu. Então foi brincar com outros meninos pretos que moravam ali por perto. Uma semana depois a Raquel pode ir brincar, mas quando o Marco foi ter com ela, ela pediu desculpa e disse que não podia brincar com pretos.

O Marco ficou triste e foi ter com os outros pretos.

Uns anos depois, o Marco e os outros pretos roubaram um carro como de costume, e foram ver se roubavam mais qualquer coisa. Numa zona escura lá do bairro viram uma loira passar. Pararam o carro e foram todos rodeá-la. Violaram-na. Quando chegou a vez do Marco, reconheceu a sua amiga de há anos, a Raquel.

E agora eu podia dizer que ele tinha ficado chocado, que tinha fugido, até que se tinha suicidado. Mas não. O Marco deu-lhe uma chapada na cara com força, atirou-a contra a parede e violou-a.

No fim disse: Não podes brincar com pretos porquê? Tens medo que eles te fodam?"

Gonçalo Mira in "As palavras de um louco"

sugerido por m.ego

sexta-feira, maio 06, 2005

a sociedade ideal. utopia porquê?

"Nenhuma sociedade pode ambicionar ser igualitária quando os seus membros têm motivações individualistas e não trabalham em prol do colectivo (é o que acontece nos nossos dias). Em primeiro lugar é preciso perceber que a maior parte das relações entre as pessoas se desenvolvem sobre o estatuto económico. E quanto maior forem as discrepâncias entre as classes sociais maior será a fragmentação na sociedade e maior será a relevância e o sentido dramático da discriminação social.

10 % dos Homens concentram 90 % da Riqueza. É aqui que se centra o problema.

Em quase todas as nações vigoram sistemas neo-liberais, onde as grandes empresas impõem leis e segundo o manual do capitalismo, tentam monopolizar mercados e dilatar infinitamente os seus lucros, fazendo tudo o que for necessário. Explorar, Pilhar, Corromper, Escravizar etc. Tudo vale. E como são essas mesmas empresas que financiam as campanhas eleitorais dos partidos políticos que pretendem chegar ao poder, é fácil induzir que os nossos governantes mais não são que uma extensão executiva dessas corporações económicas.

Na sociedade ideal, o governo não cederia perante as multinacionais, porque ele está lá para defender os nossos interesses (da maioria) e não de meia-dúzia de Lúciferes capitalistas. Na sociedade ideal não haveria contratos de trabalho de 3 meses que só servem para vampirizar os trabalhadores em favor das empresas. Na sociedade ideal não haveria salários mínimos que nem chegam para pagar uma renda de casa no subúrbio; não haveria Macdonals a fazer exploração infantil e a envenenar os nossos miúdos com fast-drug-food; não haveria imigrantes avassalados que só têm opção de fazer os trabalhos que os nacionais não querem; não haveria mulheres com necessidade de fazer broches para ascender na hierarquia machista das empresas. Etc., etc.

Na sociedade ideal, o governo fiscalizaria com determinação as contas de todas as empresas, e preocupar-se-ia mais em tributá-las do que ao Zé povinho cujo o ordenado só chega para se manterem vivos. Na sociedade ideal a TV preocupar-se-ia mais em educar e em divulgar a arte e a cultura do que em garantir dinheiro de publicidade com programas deprimentes como Quinta das Celebridades, Juras de Amor ou a Casa do Toy, da Ágata ou da “Maria Joana”. Na sociedade ideal a escola em vez de ser uma instituição conservadora, formatada e difusora de valores católicos, preocupar-se-ia em dizer aos nossos miúdos que a religião é ignorância, procuraria estimulá-los para o ensino e encontrar saídas profissionais para cada um segundo os seus interesses e aptidões.

A sociedade ideal é uma sociedade justa, democrática, humanista e altruísta...e quem diz que este modelo de sociedade é utópico é porque não tem interesse que ele se imponha."

Valete

sugerido por Valete